23/11/2015

abertura


Este espaço reúne informações sobre Cid Seixas, incluindo livros, artigos, atividades acadêmicas e outros itens profissionais. Pode-se ler uma síntese biográfica, com dados do jornalista, escritor e professor universitário.

O link Livros do Autor apresenta capas e informações sobre todos os livros publicados.


O item Cronologia de Publicações apresenta uma listagem que se pretende completa de suas publicações.


Na entrada intitulada Ler E-Books pode-se ler, gratuitamente, os livros eletrônicos publicados pelo autor.


No endereço seguinte, Leitura Crítica, estão os dados e os textos da coluna de jornal que assinou como registro mais significativo de sua atividade crítica junto ao grande público leitor.


No link Artigos pode-se ler alguns outros artigos inéditos ou publicados em diferentes meios.


Já o endereço Referências possibilita a leitura de artigos, opiniões e outras alusões ao autor, além de entrevistas concedidas a meios como, jornal, televisão e rede digital.


Como este blog reúne um considerável número de textos produzidos pelo autor, incluindo artigos de crítica literária, para melhor localizar referências a autores, obras etc., recomenda-se utilizar o mecanismo de busca "Pesquisar", do lado direito da tela.


Cid Seixas Fraga Filho) é escritor e jornalista. Nasceu em Maragogipe, Bahia, no distrito de Nagé, no dia 4 de janeiro de 1948. Aprendeu as primeiras letras em um livro de recortes preparado pela sua mãe, a professora Maria de Lourdes Fraga, ainda em Nagé. Cursou o primeiro grau na Escola Estadual Conselheiro Antonio Rebouças e no Ginásio Simões Filho, em Maragogipe, fundado pelo seu tio, professor Gerson Silva e pelo seu pai, o líder político local Cid Seixas Fraga. Aos 15 anos mudou-se para Salvador, onde completou o segundo grau no Colégio Estadual da Bahia, Central, e no Colégio Estadual Manuel Devoto.

A partir dos 17 anos de idade trabalhou como repórter e redator de noticiários, na Rádio Cultura da Bahia. Aos 18, ingressou do Diário de Notícias. Prestou vestibular para jornalismo, na UFBA, abandonando o curso três anos depois, quando foi registrado como jornalista profissional, por conta de decreto governamental, após o Golpe Militar, que reconhecia o registro dos profissionais sindicalizados. Ao abandonar o bacharelado em jornalismo, cursou direção teatral na Escola de Teatro da UFBA.
Assinou colunas em jornais diários como o DN e o Estado da Bahia. Fundou e dirigiu um dos mais qualificados suplementos literários dos anos setenta, o Jornal de Cultura, publicado pelos Diários Associados. Por cerca de três anos dedicou-se exclusivamente à televisão, atuando como apresentador e produtor de espetáculos musicais. Foi free lancer nos principais diários da capital baiana, como A Tarde, a Tribuna da Bahia e o Jornal da Bahia.
Como compositor, tem músicas gravadas em parceria com Batatinha, Carlos Lacerda, Fernando Lona e outros.
No governo do ex-reitor Roberto Santos foi convidado para dirigir o Teatro Castro Alves, em cujo cargo permaneceu por dois anos.

É graduado pela Universidade Católica do Salvador, Mestre em Linguistíca pela UFBA e Doutor em Literatura pela USP. Professor Titular aposentado da Universidade Federal da Bahia, onde trabalhou ativamente na reestruturação do Mestrado em Letras e no plano inicial de implantação do Doutorado. Exerceu as funções de Vice-Chefe e de Chefe de Departamento na UFBA, bem como de Vice-Coordenador da Pós-Graduação em Letras.

Como consultor, na área de educação, elaborou currículos de graduação e pós-graduação de algumas faculdades particulares e universidades públicas, ressaltando a plenificação dos cursos de Letras que antecederam a criação da UESB, tendo sido também contratado para implantar o Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural da Universidade Estadual de Feira de Santana. Em 2009 prestou concurso para Professor Adjunto de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira da UEFS.

Além de ter colaborado com jornais e revistas especializadas – entre os quais O Estado de S. Paulo e a Colóquio, de Lisboa, – assinou por mais de quatro anos a coluna “Leitura Crítica”, no jornal A Tarde. Na área de editoração, dedica-se a planejamento editorial e projeto de livros e outras publicações. Em 2014 criou, através do CEDAP, a Editora Universitária do Livro Digital, para atuar em universidades e instituições culturais, publicando e-books para serem lidos gratuitamente. Publicou duas dezenas de livros e plaquetes, entre obras de criação, teoria e crítica, destacando-se O Espelho de Narciso (Civilização Brasileira), Triste Bahia (Coleção Letras da Bahia), O lugar da linguagem da teoria freudiana (Casa de Jorge Amado), O espelho infiel (Diadorim), O trovadorismo galaico-português (UEFS), Os riscos da cabra cega: recortes de crítica ligeira (PPgLDC) etc. Sua produção intelectual perfaz cerca de 500 títulos, incluindo livros, plaquetes, artigos etc.


Para contato: cidseixas@yahoo.com.br




Tela do premiado artista plástico e poeta Juraci Dórea, com referência ao amigo. 

As capas dos livros de Cid Seixas podem ser vistas clicando aqui.
Abrir Currículo Lattes do autor.

maldições

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

MALDIÇÕES DO COTIDIANO
  
Um traço marcante deste romance de Paulo Wainberg é a prática de repensar, ou de refazer, a linguagem ficcional no âmbito do próprio discurso narrativo. Este ato de rever a linguagem do romance resulta na escolha de uma perspectiva experimental do texto, pondo o leitor em estado de suspeita e apreensão que se desfaz ao longo da obra, quando o envolvimento com a trama promove a familiaridade do inesperado dizer.
O livro é narrado em primeira pessoa, no chamado plural majestático, freqüentemente usado em correspondências burocráticas e em artigos e ensaios, provocando assim o estranhamento do leitor, que se inquieta para descobrir as razões da escolha. Mas é o perpassar da ironia que se fixa como marca deste uso do plural, especialmente pelos acontecimentos que constituem a primeira cena narrada, que é introduzida assim:
– ”Caminhávamos furtivamente por uma das ruas centrais quando assistimos a uma brutal cena de espancamento.”
Este mesmo advérbio, “furtivamente”, é repetido ao longo do livro para adjetivar as incursões do personagem-narrador pelo cotidiano da cidade. Desta cena primeira, nasce a paixão do herói da narrativa por uma personagem que será motivo de algumas peripécias da trama. O espancado era “um bem nutrido menino de quatro anos e o espancador sua encantadora mãe de uns vinte e oito, olhos imensos, coloridos, cabelos revoltos e pernas simplesmente divinas.”
Nesta breve caracterização já se delineia muito da intenção do personagem e dos futuros acontecimentos do livro, embora o leitor fique perplexo, sem saber como se situar. Tal cena aparece a partir do quarto parágrafo, enquanto os anteriores, que abrem o romance, nos recepcionam como se fossem o intróito de uma exposição conceitual. Estes quatro parágrafos iniciais prenunciam um tratado de psicologia social ou de uma incerta teoria do autoconhecimento. Deste modo, entramos no universo ficcional de Paulo Wainberg de maneira tão incerta e confusa quanto o universo psíquico do seu personagem. Os caminhos que percorremos suspendem as nossas diretrizes e quase certezas habituais para instalar um estado de inquietação que nos aproxima do inominado protagonista.
Mesmo em condições de conhecer o personagem e seus labirintos interiores não ficamos sabendo o seu nome. Ele não nos diz; fazendo desfilar, apenas, as suas reflexões; seus gestos de homem comum, marcado pela incomum individualidade das anônimas figuras do cotidiano.
            Na verdade, acompanhando o fio condutor da trajetória do protagonista-narrador de Os malditos vemos desfilar diante dos nossos olhos, como numa viagem a bordo de um trem que percorre paisagens inesperadas, os desencontros humanos, com suas mesquinhas tragédias, seus medos e fantasmas. São universos humanos díspares que aparecem no romance, desde o cotidiano de um ocioso homem comum até os incertos horizontes da família de um perigoso assaltante e latrocida.
            Mas a narrativa cresce à proporção que o fim do livro vai chegando, para ganhar nas últimas páginas as dimensões de uma obra densa e capaz de figurar entre os bons momentos da nossa narrativa de ficção. A ironia, que no início do livro parece conviver com uma pitoresca superficialidade cotidiana, por fim, cede lugar ao destino e à condição do homem. O leitor sai das páginas do romance de Paulo Wainberg gratificado pelo encontro com este tortuoso narrador-protagonista, que fala por si e pelo silêncio do outro.

*  *  *

            O autor de Os malditos, publicado pela editora Tchê!, de Porto Alegre, é o mesmo Paulo Wainberg de O Carrilhão quebrado, ou de O homem de papel, Conversa de verão e A resposta final. Este gaúcho faz parte de uma geração de romancistas e contistas que transformou Porto Alegre num importante núcleo da ficção brasileira. Se na primeira metade do século a explosão regionalista dos nordestinos marcou definitivamente a literatura brasileira, assim como os momentos posteriores foram ocupados pelo engenho criador dos mineiros, agora Minas cede espaço para o Rio Grande do Sul. Neste Estado acontece muito do que há de ficar como os bons momentos da literatura do Brasil no final do século.
            E o papel desempenhado pelos gaúchos é mais notável ainda quando sabemos que eles constituem não apenas um polo criador da literatura, mas também um significativo polo receptor. O mercado livreiro do Rio Grande do Sul é hoje, proporcionalmente, tão importante quanto o do eixo Rio-São Paulo. Nenhum estado brasileiro, fora do chamado eixo central ou nacional, tem apresentado resultados editoriais tão notáveis. Além de editoras nacionalmente conhecidas como a Mercado Aberto, a L&PM ou a Tchê!, o Instituto Estadual do Livro apresenta um trabalho que suplanta o do – falecido e de saudosa memória – Instituto Nacional do Livro.
            O Rio Grande do Sul é hoje o país dos gaúchos, com um movimento cultural e editorial próprio. Se avaliarmos o que se produz e consome em termos de livros dentro do Estado, chegaremos à surpreendente conclusão de que o Rio Grande do Sul apresenta índices nove vezes superiores ao do Brasil como um todo. Deste modo, comparado ao nosso imenso país tropical, o pequeno Rio Grande tem um desempenho similar ao dos países do primeiro mundo.
            A história da literatura brasileira que hoje se escreve abre um grande capítulo para conter o universo dos pampas e o Porto sempre Alegre das naus da criatividade.

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Maldições do cotidiano. Artigo crítico sobre o livro Os Malditos, de Paulo Wainberg. Porto Alegre, Tchê!, 158 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 21 set. 98, p. 7.


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“Leitura Crítica” é publicada todas as segundas-feiras.
Correspondências para esta coluna:
Rua Dr. Alberto Pondé, 147 / 103, Ed. Pedras da Colina

CEP 40.280-630, Salvador, Bahia.

David

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas


A crítica de David Salles

A atividade crítica exercida em jornais baianos, desde o início do século, revela, a um só tempo, o nível da produção literária local e o gosto da província no que diz respeito à recepção de obras nacionais e estrangeiras.

Com o declínio do hábito de leitura entre a população do nosso estado, os jornais também reduziram os espaços dedicados à discussão de livros. Observe-se que as resenhas literárias, sejam elas resenhas críticas ou informativas, funcionam como um termômetro do nível de leitura de um povo.

Nos países europeus, onde o hábito de ler é comum, mesmo entre as populações que vivem afastadas dos centros urbanos, não somente os jornais, mas as emissoras de rádio e de televisão mantêm programas sobre acontecimentos científicos e culturais, livros e outros assuntos. Nos mesmos horários, no Brasil, são transmitidos programas de grande audiência, mostrando brigas entre vizinhos, xingamentos entre casais, deformidades aberrantes etc.

Países europeus menos desenvolvidos, como Portugal, onde a atividade rural familiar apenas supre a sobrevivência, também cultivam o hábito de leitura. A rádio e a televisão portuguesas contratam renomeados intelectuais para apresentar programas de alto nível formativo e informativo.

É evidente que, no Brasil, isto seria um grande fracasso comercial. Nenhuma emissora deixaria de colocar no ar bem-sucedidos campeões de audiência, para produzir um programa discutindo livros e idéias com Antonio Houaiss, Jorge Amado ou qualquer outro intelectual, por mais respeitado e famoso que seja.

Os temas de interesse do Brasil são evidentemente outros.

Mas nem tudo está perdido. De forma isolada, aqui e ali, os jornais ainda publicam textos sobre literatura. A Folha de S. Paulo traz excelentes artigos no caderno “Mais”, O Estadão, mesmo tendo suprimido as três páginas de sábado sobre literatura, ainda publica bons textos. Isto sem falar em suplementos literários publicados na Bahia (A Tarde Cultural), no Rio Grande do Sul e no Ceará, todos nacionalmente conhecidos.

No caso baiano, convém lembrar uma tradição criada pelo jornal A Tarde. Independentemente dos suplementos literários, este jornal abrigou em suas páginas conhecidos “rodapés de crítica” que entraram para a história da literatura.

Na primeira metade do século, Carlos Chiacchio publicou, de 1927 a 1946, a coluna Homens e Obras, com fortes implicações no modernismo regional. Chiacchio foi substituído por Heron de Alencar, professor universitário que publicou artigos de crítica literária em A Tarde, embora sem a constância do seu antecessor.

Coube a David Salles dar continuidade a este trabalho, assinando as colunas ´Crítica de Rodapé´, de periodicidade semanal, e, logo em seguida, ´Enfoque da Crítica”, de publicação quinzenal.

Antes de ter sido convidado, nos anos 70, pelo jornalista e historiador Jorge Calmon, para fazer crítica literária em A Tarde, David Salles publicou no Jornal da Bahia, onde se iniciou no jornalismo, ao lado de companheiros de geração, como Glauber Rocha, João Carlos Teixeira Gomes, João Ubaldo Ribeiro e outros.

Convém lembrar que esta geração se dividiu entre o jornalismo, a literatura e o cinema, tendo sido responsável, não apenas pela renovação do jornalismo baiano quanto da arte brasileira.

O trabalho crítico de David Salles, escritor falecido em 1986, aos 48 anos, vem sendo resgatado em pesquisa da professora Itana Nogueira Nunes, da Uneb. Como parte do seu projeto de mestrado, sobre nossa orientação, Itana procedeu ao levantamento dos textos dispersos de David Salles na imprensa baiana e em jornais como O Estado de S. Paulo e o Minas Gerais Suplemento Literário, com os quais colaborou.

Os textos de crítica de David Salles serão reunidos em livro, para que não se percam dispersos em fontes de difícil consulta. Por outro lado, alguns deles serão publicados neste espaço, a partir da próxima semana. Destas publicações, surgirá o primeiro volume de obras críticas de David Salles que, em breve, estará pronto para encaminhamento a um editor.

Espera-se que, desde a organização dos originais até a identificação de um editor, não se passem muitos anos, como os que se passaram desde a morte de David que, além da sua crítica de jornal, deixou inéditos alguns livros.

Como, em decorrência de compromissos profissionais na universidade, estarei afastado da coluna “Leitura Crítica” até o próximo ano, a publicação dos textos de David Salles emprestará mais densidade e inquestionável nível intelectual a este espaço. Trata-se de uma dupla homenagem. Homenagem à memória do crítico e escritor David Salles. Homenagem à sensibilidade e ao bom gosto do leitor de A Tarde.

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A crítica de David Salles. Artigo sobre a atividade do autor da seção “Crítica de Rodapé”. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 9 nov. 98, p. 7.


teoria

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Teoria e estética literária


Diante da forte tendência, evidenciada por alguns países, a elaborar idéias e pensamentos teóricos capazes de influenciar a criação artística em geral, e a literária em particular, imagina-se que culturas como a brasileira ou a portuguesa não cultivam a teoria estética.

Observa-se a doutrina que orienta um movimento literário, ou um estilo de época, mas não se tem uma visão conjunta da história das teorias em língua vernácula. Portugal, mesmo com oito séculos de prática literária, ainda não tinha um mapeamento das idéias que deram sustentação aos diversos momentos da sua história literária. Os estudos dedicados a autores ou movimentos ficavam, quase sempre, restritos aos especialistas da temática abrangida.

Neste quadro, o livro de Massaud Moisés As Estéticas Literárias em Portugal (Séculos XIV a XVII), publicado pela Editorial Caminho, de Lisboa, nasce como um clássico, tanto pelo pioneirismo quanto pelas bem-fundadas discussões e diálogos críticos travados com as idéias e os autores estudados.

Ao produzir uma obra sem par no universo da literatura portuguesa, o estudioso brasileiro aponta os autores responsáveis por estudos parcelares, sem os quais a sua ousada e longa pesquisa “levaria ainda mais tempo para se realizar”.

Nas suas densas e bem-aproveitadas trezentas páginas, a obra focaliza a Idade Média, o Classicismo e (conforme a reveladora expressão do autor) o “espetáculo do barroco”. O substantivo de caráter adjetival, “espetáculo”, presente no título do terceiro e mais longo capítulo do livro, chama a atenção do leitor para a importância atribuída ao suporte doutrinário do barroco.
A produção de textos teóricos nesse momento é considerada elevada pelo autor, não apenas do ponto de vista quantitativo; Massaud Moisés aponta o barroco e o realismo como os períodos de mais notável produção doutrinária: “Exceção feita ao século XX, parecem ser os momentos mais intensos de teorização literária em Portugal.”

Convém destacar que, mesmo diante do incipiente pensamento teórico português na Idade Média, o autor do livro consegue produzir um capítulo extremamente rico; especialmente na discussão da poética trovadoresca galaico-portuguesa e das suas linhas de convergência e autonomia com relação ao trovadorismo provençal.

Massaud Moisés se debruça sobre a arte de trovar, concebida no século XIV e anexada ao manuscrito Colocci-Brancuti, conhecido como Cancioneiro da Biblioteca Nacional, extraindo desse material um texto capaz de se manter mesmo fora da obra para a qual foi produzido. Um texto que assegura a sua leitura autônoma e independente, pela riqueza da abordagem e pela força das reflexões. Os itens dedicados ao trovadorismo constituem um estudo indispensável à abordagem da produção poética que floresceu no século XIII e se cristalizou no século XIV.

A precária consistência da poética fragmentária, como também é conhecida a arte de trovar, não impediu o estudioso de adicionar ao seu trabalho sobre a mesma um valor que redimensiona o objeto estudado. As articulações em torno dos pontos maldesenvolvidos, cujas implicações “o compilador da arte de trovar deixa escapar, aqui e ali”, projetam novas luzes sobre o texto trecentista.

O leitor que conhece Massaud Moisés, apenas através dos seus manuais didáticos, terá a oportunidade de encontrar neste livro o estudioso perspicaz de obras como Literatura: Mundo e Forma, A Novela de Cavalaria no Quinhentismo Português e Fernando Pessoa: o Espelho e a Esfinge.

              Se os objetivos das obras destinadas a um público mais numeroso apenas permitem entrever o aparato conceitual do autor, em livros de caráter monográfico ou de natureza especulativa temos oportunidade de observar a bem-articulada concepção do universo teórico de Massaud Moisés.

               Somente em 1982, quando ele publicou Literatura: Mundo e Forma tive oportunidade de conhecer o pensador da literatura. Até então, através dos manuais de sucessivas edições, conhecia o divulgador e sistematizador do conhecimento. Foi esse livro que me fez reler as obras de Massaud Moisés conhecidas nos tempos de estudante e observar como algumas delas foram perdendo, nas edições mais recentes, o caráter meramente didático para dar lugar a uma troca de indagações com o leitor.

Notadamente, em A Criação Literária, obra em volume único que foi posteriormente redimensionada em três livros autônomos e interligados, pode-se observar a presença do pesquisador e do pensador da literatura substituindo, ou completando, o sistematizador.

            Daí a importância das obras especulativas na bibliografia do autor. Elas enriquecem e aprofundam as lições básicas dos seus bem-sucedidos manuais. O recém-lançado livro As Estéticas Literárias em Portugal apresenta ao leitor culto a oportunidade do debate sobre a história das teorias. Debate fundado em uma visão crítica amadurecida e sustentado na mais rigorosa pesquisa de fontes, porque conduzido por um espírito científico altamente refinado e exigente.

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Teoria e estética literária. Artigo crítico sobre o livro As estéticas literárias em Portugal (Séculos XIV a XVII), de Massaud Moisés. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 2 nov. 98, p. 7.


dignificação

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

A dignificação da memória


O escritor Pedro Nava faz parte de uma geração da qual saíram os mais expressivos poetas e romancistas do modernismo brasileiro. Na juventude, conviveu com estas figuras e, não encontrando um espaço próprio de afirmação, foi se afastando da literatura à medida que avançava nos estudos médicos que constituíram a sua vasta produção científica de quase meio século.

O poeta pouco ressonante dos anos vinte, tornou-se um bem-sucedido pesquisador médico até os anos setenta, quando as águas represadas da criação literária arrebentaram os diques – derramando nos caminhos da literatura brasileira uma obra memorialística de poder clássico e luminosa renovação modernista.

O menino de Juiz de Fora, que se muda para o Rio de Janeiro, em 1910, retorna, no ano seguinte, para depois estudar medicina, em Belo Horizonte. Formado, vai exercer a profissão no Rio, onde reencontra velhos companheiros do modernismo em Minas, como o ministro Gustavo Capanema, em cujo gabinete trabalhava outro contemporâneo, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Pedro Nava dedica-se quase exclusivamente à medicina, conquistando aí o respeito dos seus pares e dos antigos companheiros de aventura literária.
Somente depois de realizar uma obra científica vasta e bem sucedida, é que o escritor modernista ressurge, não mais como poeta de produção rarefeita, mas como narrador da própria experiência vivida. Ambicioso e ciente do seu preparo intelectual, Nava avalia o espaço que lhe estava reservado. O modernismo já produzira grandes poetas, contistas e grandes romancistas, restava então o caminho do memorialismo.

Gênero fragmentado entre a história e a literatura, entre o relato e a ficção, o memorialismo foi retomado por Pedro Nava, com o equilíbrio dos clássicos e o poder de inventividade dos modernos. Para demarcar o seu território, qual guerreiro conquistador, Nava não hesita em transformar o discurso memorialístico em campo de batalha, onde finca bandeira de vencedor. Assim é que permeia de considerações sobre a natureza da sua escrita a trama narrativa dos seis livros de memória, ciclo aberto com Baú de Ossos, em 1972, e encerrado com O Círio Perfeito, onze anos depois. Quando preparava o sétimo volume, que se chamaria Cera das Almas, foi colhido por elas.

Nava impõe a indissociabilidade da lembrança com a ficção, para evidenciar, em Balão Cativo, que os fatos da realidade são como pedra e argamassa “manipulados pela imaginação criadora”. E, aí mesmo, afirma triunfante: “Só há dignidade na recriação. O resto é relatório”.

O trajeto do escritor e a natureza da sua escrita são reunidos com equilíbrio no denso livro Espaços da Memória, de Joaquim Alves de Aguiar. O estudioso realiza uma abordagem crítica que atrela a imanência da análise à contextualização do autor e da obra, percorrendo um trajeto longo e sinuoso, como a obra estudada.

Procurando dar conta de múltiplas questões que se imbricam, Joaquim Aguiar parte da simples localização do homem e chega a uma acurada compreensão crítica do texto. Da diversidade de movimentos é que resulta a densidade, ocultada pela exposição muitas vezes leve e bem-humorada. A escrita do crítico parece dialogar em contraponto com a escrita do autor estudado. Há momentos em que a adjetivação imprevista e funcionalmente substantiva quebra a aridez do discurso acadêmico, para se fazer interlocutora da escrita inventiva do autor de Galo das Trevas.

Na excelente introdução do livro, que ocupa quase cinquenta páginas, Aguiar proporciona ao leitor uma mostra generosa da sua investigação. Abre o texto introduzindo o assunto em moldes de quem narra uma história: “Pedro Nava era praticamente um velho, beirava os sessenta e cinco anos, quando trocou sua condição de poeta e prosador bissexto pela de escritor contumaz”.

Mas Joaquim Aguiar permeia a descrição amena com a análise de aspectos essenciais da obra de Pedro Nava, partindo, implicitamente, da hipótese segundo a qual Nava não encontrou o seu lugar nos anos de fixação do cânone do modernismo porque, desde cedo, conforme os hábitos da infância e da juventude, fundava a criação na experiência vivida. Primeiro viver, para depois narrar, contata o estudioso.

Outra consequência positiva do atrelamento da narrativa de Pedro Nava à experiência é a singular capacidade de tornar orgânica, no corpo da obra, a vastidão de assuntos tratados. Desde menino, Nava retinha na memória os acontecimentos circundantes e, como nos informa Joaquim Aguiar, tornou-se um arquivista da família. Enquanto a memória retinha histórias, sentimentos e ressentimentos, o homem armazenava objetos e relíquias.

Os casos e coisas familiares são iluminados na narrativa de Pedro Nava pela sua articulação com fatos essenciais da época; com minúcias, reflexões e pequenas jóias da percepção. Como então transformar os fatos estocados neste “arquivo considerável” em narrativa coerente, pergunta-se Aguiar.

A resposta é encontrada no fato de Nava só ter começado a sua obra literária quando era “praticamente um velho”. Os longos anos de disciplina científica serviram para a constituição do método adotado pelo memorialista. Aguiar ressalta a designação preferida por Nava para os projetos, ou as “bonecas” dos seus livros: “esqueleto”.

Primeiro, trabalhava a ossatura da obra para depois recobri-la de carne e vida ficcional. Assim, nasce o seu primeiro Baú de Ossos, título duplamente justificável. Primeiro, pela constituição do método; depois, pelo fato de o memorialismo ser uma operação de resgate dos ausentes. Dos baús funerários, retira-se a ossatura dos parentes mortos e das pessoas enterradas no esquecimento. Da fantasia, extrai o halo de vida que sustenta os personagens recriados.

Por isso, Nava sabe que a memória corrompe o passado e a narrativa memorialística só é possível porque o presente reescreve tudo com suas próprias tintas.
É aí que o estudo de Joaquim Aguiar aproxima o memorialismo de Pedro Nava do épico, ressaltando inclusive a monumentalidade construída pelo escritor.

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A dignificação da memória. Artigo crítico sobre o livro Epaços da memória, de Joaquim Aguiar. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 28 set. 98, p. 7.

histórias inventivas

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Histórias inventivas
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Domínio da arquitetura textual
permite a Luiz Ruffato
reinventar os velhos
contadores de histórias.
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  "Toda história é remorso." A partir da epígrafe tomada de empréstimo a Carlos Drummond de Andrade, o mineiro Luiz Ruffato se propõe a contar suas Histórias de remorsos e rancores. São sete contos densos e bem construídos que reafirmam a qualidade da narrativa de ficção brasileira neste final de século.

  Muito embora o mercado livreiro e a mídia não apostem muito no gênero conto, dezenas de contistas da melhor qualidade têm surgido nos últimos anos. O fato tende a reverter o quadro editorial, à medida que o público leitor descobre a riqueza desta floresta de histórias.
  Convém afirmar que o conto é, por excelência, o gênero da pós-modernidade ou que outro nome se queira dar à era da navegação do espaço. A rapidez dos acontecimentos e o fracionamento do tempo entre múltiplas atividades transformam as narrativas longas em sedutores dinossauros criados em apartamentos.

  Os leitores mais apressados experimentam uma impaciente angústia diante de novelas como Dom Quixote, de Cervantes, ou Em busca do tempo perdido, de Proust. Ficamos, maliciosamente, com dois exemplos polares.

  O conto, por exigência do próprio gênero, conta com a agilidade, que pode ser comparada à leveza e à rapidez propostas por Ítalo Calvino entre as qualidades do texto literário a serem preservadas para o próximo milênio.

  Histórias de remorsos e rancores, de Luiz Ruffato, é um livro marcado pela unidade formada pelas sete narrativas. As situações e personagens, na sua multiplicidade, podem estar situadas em qualquer lugar, inclusive ao nosso lado. São fatos banais e pessoas banais que reconstituem o acontecimento menos banal de todos: a vida. Mulheres e homem do nosso tempo, flagrados no cotidiano, com seus sonhos e misérias.

  Mas as histórias de Ruffato não se passam nas ruas do mundo. Ele as situou num universo restrito e, ao mesmo tempo, amplo; porque elevado à condição de metonímia do espaço humano – o Beco do Zé Pinto. Que fica na Vila Tereza, que fica em Cataguases, que fica em Minas, que fica no mundo.

  Além deste elo, ou desta unidade tópica, a entrelaçar as histórias, os personagens surgem num conto e reaparecem em outro. Vanin, que é protagonista de "A decisão" e sonha com o dia de ir embora para o Rio de Janeiro, aparece como simples figurante na história de outros moradores do Beco. Bibica, ex-prostituta, mãe e mulher como muitas que conhecemos e admiramos, transita entre as histórias dos seus filhos. O pequeno mundo do Beco do Zé Pinto é o universo ficcional de Luiz Ruffato; um quase cortiço de Cataguases, com seus poucos personagens representado histórias dos nossos remorsos e dos rancores daqueles que não puderam ser protagonistas de uma vida plena.

  Um fato a ser observado: as criaturas de Ruffato, todas vivendo as mesmas misérias e sonhos frustrados, não são erigidas à categoria maniqueísta de heróis nem de bandidos. São gente. Gente capaz de grandezas e misérias; de serenidade e desespero.
  Ao reunir os caracteres para a constituição dos seus personagens, Ruffato lança mão dos materiais extraídos da vida. Por isso, eles são personagens plenos, previsíveis e imprevisíveis. É como se o criador destas histórias tivesse roubado do criador desconhecido o barro adâmico que, com sua força, inventa destinos múltiplos.

  Mas para usar este barro, o criador de histórias e mundos precisa também saber usar um outro instrumento que foi o princípio de tudo – a palavra.

  Sem exibir a retórica experimental dos recursos neo-bar­ro­cos, tendência tão em moda entre os novos escritores, Luiz Ruffato pode fugir ao previsível de uma escrita original e sintonizada com o seu tempo. Como ele sabe usar a palavra certa para dizer o incerto, seu texto é de quem aprendeu a olhar devagar para as coisas e as palavras; descobrindo o segredo que há entre elas.

  Isto não quer dizer que ele mergulhe na arqueologia do saber perdido e volte as cotas para o sabor do momento. Quer dizer apenas que alguns escritores não precisam de uma fantasia cibernética para usar os recursos extraídos das novas técnicas. Tradição e ruptura são etapas de um processo.

  Partindo de uma estrutura narrativa clássica (ou básica, se preferirmos), ele não se esforça para ser original, moderno ou pós-moderno. Ruffato, simplesmente, é um escritor do seu tempo.

  É este modo de ser, em lugar do modo de procurar ser, que confere qualidade e, principalmente, legibilidade, ao texto do autor. Mesmo nos trechos de invenção mais radical, o leitor acompanha seu percurso. Em alguns contos a fala do narrador penetra a dos personagens, o diálogo flagrado num tempo presente é arrebatado pelo monólogo interior do personagem ou por diálogos de tempos passados, numa vertigem de discursos que se produzem mutuamente.

  Presente, remorsos passados, sonhos desfeitos e rancores futuros giram numa mesma frase – onde o narrador nos conta uma história – onde personagens dialogam e, ao mesmo tempo, revelam os desvãos da memória.

  A passagem brusca de uma fala a outra, o corte de um cenário para outro no interior da mesma frase, como ocorre no discurso onírico, não são apenas experimentos na escrita de Luiz Ruffato, são recursos usados com precisão e técnica.

  Quando muita gente pensa que só é possível acompanhar o risco do raio, escrito pela mão da linguagem, deixando para trás a história a ser contada, Ruffato reinventa o velho contador de histórias. Ele conta uma história com princípio, meio e fim, sem medo de ser repetitivo. Isto porque sabe penetrar na obscura dimensão do não dito, onde dormem as palavras. E trazer de lá a pedra da alquimia, para operar a transmutação dos pesados condutores da frase – feitos de chumbo – em fibra ótica, ou áurea.

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Histórias inventivas. Artigo crítico sobre o livro Histórias de remorsos e rancores, de Luiz Ruffato. São Paulo, Boitempo, 1998, 136 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 14 set. 98, p. 7.


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Correspondência para esta coluna:
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Salvador, Bahia


comunicação

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

A comunicação na História

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Pesquisa dos anos 70
sobre a comunicação
na Revolução dos Alfaiates
é republicada pela atualidade do enfoque
e pioneirismo nos estudos culturais.
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    Graças à competência técnica de Luís Guilherme Tavares, a Assembléia Legislativa conta com um núcleo de editoração que vem prestando importantes serviços à memória bainana. Se, por um lado, o trabalho revela o compromisso do Poder Legislativo e do seu presidente com a cidadania, por outro lado, a continuidade sistemática do programa editorial deixará na história da Bahia o testemunho de um momento da nossa vida social.

    No âmbito das comemoração dos duzentos anos do movimento libertário de 1798, a Assembléia Legislativa e a Academia de Letras da Bahia publicam a segunda edição do livro de Florisvaldo Matos A Comunicação Social na Revolução dos Alfaiates.

    Escrito na década de 70, como trabalho acadêmico, o texto merece ser conhecido por novos leitores, não somente pela retomada de foco sobre os revolucionários baianos, como também pela sua natureza formal. Trata-se de um trabalho pioneiro dos estudos culturais no campo da comunicação. Se hoje, o programa de pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA elegeu os estudos culturais como direção das linhas de pesquisa que colocaram este curso entre os melhores do país, convém lembrar que, na década de 70, Florisvaldo Matos articulou os estudos da comunicação com as ciências da cultura.

    Registando a primeira edição do livro, publiquei um artigo em A Tarde do dia 30.09.75 que retomo agora, lembrando o enfoque do momento.

    O artigo começava assim:

    "Marshall McLuhan no seu trabalho capital — Understanding Media: The Extensions of Man — colocou os meios de comunicação como elemento fundamental da cultura. Desde a sua publicação, há mais de uma década, até hoje, centenas de trabalhos seguindo a mesma orientação são publicados em toda parte. Paralelamente, a Linguística e a Semiologia desenvolvem questões análogas dentro de um enfoque estruturalista, retomando a linha traçada por Jakobson e Trubetzkoy no I Congresso Internacional de Linguística (Haia, 1928). Na Europa, o grupo da revista Communications — cujos trabalhos foram publicados parcialmente no Brasil, pelo Editora Vozes, na coleção Novas Perspectivas em Comunicação — lidera o pensamento mais atual. Entre nós, destacam-se principalmente os teóricos da poesia concreta Haroldo de Campos e Décio Pignatari, professores do curso de comunicação da PUC de São Paulo. Dentro deste quadro, qualquer lançamento de estudo teórico sobre o assunto seria apenas mais um livro.

    Assim é que o poeta e jornalista Florisvaldo Matos, ao elaborar sua dissertação de mestrado, associou teoria e prática no estudo do fato histórico mais importante, ocorrido em 1798 na Bahia.

    Hoje, é possível avaliar a importância do processo comunicacional nos movimentos políticos e sociais; o que não seria cogitado no Brasil do século XVIII, quando os textos eram copiados à mão e a comunicação oral, de pessoa a pessoa, substituía os atuais recursos da mídia. Muito embora a Bahia colonial vivesse uma época imprópria à comunicação, a Revolução dos Alfaiates, como enfatiza Florisvaldo Matos, teve como "espinha dorsal as estruturas de comunicação".

    Estruturas primárias, é verdade, mas concebidas com o rigor necessário à consecução dos objetivos visados.

    — "A comunicação foi a via pela qual respirou a revolução, nasceu, viveu e morreu nela". A proposta de Florisvaldo Matos é estudar um fato histórico que vem interessando vivamente aos historiadores baianos. Ou melhor: é reestudar, impondo uma linha interpretativa que parte de um esquema estrutural previamente elaborado — destacando o fenômeno informacional como base de todo o processo revolucionário de 1798. Evidentemente, não se trata de um trabalho de historiador, mas de pesquisa histórica, que se pretende "canal" entre dois sistemas: a Comunicação e a História.

    Professor da Escola de Comunicação da UFBa, Florisvaldo Matos elaborou o texto indo em busca de importantes fatos que envolveram a luta da nossa gente pela causa democrática, dentro de um enfoque interdisciplinar que articula múltiplos elementos culturais.

    Como ele acentua, os historiadores não se arvoraram a dar a última palavra sobre os diversos aspectos do movimento revolucionário de 1798; nem poderiam fazê-lo, dado o caráter do acontecimento.

    Florisvaldo Matos compreendeu a importância da tarefa que vem desafiando estudiosos e, pioneiramente, tentou descodificar a mensagem do Movimento Democrático de 1798 à luz de novas linguagens, para que se possa estabelecer a interpretação global do sentido histórico, político e social do fato.

    Dentro deste plano metodológico, o autor resgata e analisa a comunicação no Brasil Colonial e na Bahia do século XVIII, passando então a estudar o que seria "a teia da comunicação em 1798". No capitulo dedicado aos "Comunicadores da Revolução", Florisvaldo Matos propõe a existência de dois tipos básicos de comunicadores. Um tinha a responsabilidade de produzir as mensagens destinadas à formação da consciência revolucionária (integrado, naturalmente, pela chamada elite intelectual, incumbida do intercâmbio de "produtos culturais que formariam a base ideológica do movimento"). O outro se empenhava na produção de mensagens voltadas para a ação revolucionária (por sua vez, formado pelas pessoas "de classe social mais baixa, dentro do sistema,  acabaria por dar características populares à tentativa de rebelião, diferentemente do que ocorrera na Inconfidência de Minas, anos antes").

    A Comunicação Social na Revolução dos  Alfaiates estuda as mensagens dos revolucionários, estabelecendo o papel assumido tanto pelas mensagens escritas e orais quanto por aquelas que eram submetidas a um inventário de sinais convencionais. Florisvaldo Matos destaca a importância de todo este trabalho, que ajudou não apenas a forjar a consciência de quantos se engajariam ao movimento, mas também, ajudou a delimitar tarefas revolucionárias, comunicando e transmitindo a orientação central dos conspiradores.

     Livro inovador e pioneiro, A Comunicação Social na Revolução dos  Alfaiates  precisa ser retomado por outros estudiosos da área, pela contribuição frutífera aos estudos de comunicação."

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A comunicação na história. Artigo crítico sobre o livro A comunicação social na Revolução dos Alfaiates, de Florisvaldo Matos. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 31 ago. 98, p. 7.