15/11/2015

Eloquência mineira

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

EloqUência mineira



Mas foi além da crônica
que ele atingiu
a transmutação do artesanato
em arte,
fazendo dos seus contos
a celebração da escrita.



                Otto Lara Resende é um escritor mais conhecido do que lido. Nascido em uma data simbólica, 1º de maio, de um ano igualmente emblemático, 1922, liberdade e renovação literária estão associados ao dia do seu nascimento. A ironia é uma das marcas deste autor, morto em 1992, aos setenta anos.
            Na verdade, o nome de Otto Lara Resende se tornou mais conhecido pela sua atividade jornalística. Ele foi diretor do Jornal do Brasil, da revista Manchete e do grupo Globo. Associada ao prestígio destas funções, a sua atividade de cronista, publicado em diversos jornais brasileiros, levou o seu nome ao grande público. Mas a sua obra de ficção, nos gêneros conto, novela e romance, vem se preservando distante deste mesmo público.
            O aligeiramento da sensibilidade e o reluzir das inteligências superficiais incompatibilizam o melhor da obra deste escritor com as grandes audiências. Explica-se: como ficcionista Otto Lara Resende é um artista em busca da perfeição. Entre o constante retrabalhar dos seus textos e as concessões ao fácil ele se mantém firmemente no primeiro propósito. Seus contos e novelas sempre estiverem em estágio de laboratório, sendo revistos e melhorados livro após livro.
            Este volume, A testemunha silenciosa, é um exemplo eloqüente de uma vida literária passada a limpo. Eloquência mineira, onde o silêncio e o dizer preciso, econômico e contundente, resultam do domínio absoluto da escrita.
            Grandes escritores brasileiros, desde a segunda metade do século passado, fizeram o trânsito entre o jornal e o livro, enriquecendo a atividade jornalística com a escrita bem elaborada, sendo capazes de transitar entre dois estilos necessariamente diversos. Ao contrário de uma tradição que começa a se formar agora, quando o estilo jornalístico, com sua circunstancialidade e suas limitações, predomina sobre o improvisado escritor, autores como Otto Lara Resende serviram-se da facilidade e da naturalidade do dizer, ganhas no dia a dia do jornal, somando a isto o apuro rigoroso da expressão que somente os mestres da escrita sabem tornar leve e aparentemente simples.
            Não se imagine, portanto, que a atividade jornalística retirou a densidade e a condição de artífices exemplares daqueles que fizeram das redações de jornais a sua escola primeira. O dizer objetivo e desempolado que marcou os modernos escritores brasileiros, como Drummond ou Graciliano, para citarmos dois casos diversos, pode ser explicado, talvez, pela busca de objetividade do discurso jornalístico. Ou, vice-versa, a objetividade adquirida pelo discurso jornalístico pode ser explicada pela dupla atuação destes escritores.
            Assim, em Otto Lara Resende, o exercício da crônica apurou a técnica da escrita contundente e despida de rebuscamento barroco. Mas foi além da crônica que ele atingiu a transmutação do artesanato em arte, fazendo dos seus contos a celebração do ato da escrita.
            A testemunha silenciosa é um livro composto por duas novelas marcadas pelo tédio e pelo drama ordinário do viver. A primeira, que dá nome ao livro, enfoca em profundidade a tragédia do cotidiano, tecendo os fios da degradação patológica de uma família com os ecos regionais dos acontecimentos políticos da chamada Revolução de 1930.
            A segunda novela, “A cilada”, é simultaneamente uma abordagem trágica e irônica da avareza, trazendo uma contribuição das mais importantes ao tratamento do tema. Publicada, inicialmente no volume coletivo Os sete pecados capitais, que nos anos sessenta reuniu o melhor das nossas letras, esta narrativa foi retrabalhada para o livro As pompas do mundo, de 1975, e, segundo Humberto Werneck, foi retomada pelo autor nos anos seguintes.
            A testemunha silenciosa reúne assim duas novelas já publicadas. A primeira apareceu em 1962, no livro O retrato na gaveta, com o título de “O carneirinho azul”, tendo nesta nova versão, em que foi inteiramente refeita, dado ênfase central — inclusive no título — ao eixo dramático que cerca o protagonista da narrativa. Mas o constante labor de Otto Lara Resende, marcado pelo apuro formal e pela consciência criativa, faz dos seus textos obras verdadeiramente novas e ainda mais vigorosas.

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Eloqüência mineira. Artigo crítico sobre o livro A testemunha silenciosa, de Otto Lara Resende. São Paulo, Companhia das Letras, 124 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 26 jun. 95, p. 7.



Explica-se:
como ficcionista
Otto Lara Resende
é um artista
em busca da perfeição.





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