10/11/2015

Dean Koontz

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas


Uma fôrma de fabricar sucesso

            A característica básica dos livros destinados ao grande público, os chamados best sellers, é partir de um esquema ou de uma fôrma de garantida eficiência. A renovação e o trabalho de descoberta de novos meios de expressão se constituem em moeda de pouquíssimo valor nesta indústria cultural.
            Assim, quando o leitor se encontra com mais de um livro do mesmo autor termina envolvido num mundo de recorrências e redundâncias. Repetem-se as mestras estratégias destinadas à fabricação do sucesso. Um autor de best seller descobre um fôrma que deu certo e continua moldando novas histórias nesta mesma fábrica de divertimentos.
            Mas, mesmo assim – ou talvez por isto mesmo –, alguns dos produtos saídos da indústria cultural de massa são capazes de alcançar surpreendentes resultados. Principalmente, quando o leitor não conhece muito as manhas do autor. Quando está diante de um contato inicial e descobre os pontos fortes do seu artesanato.
            É verdade que depois de ler dois ou mais livros do mesmo autor o interesse se anula, porque falta alguma coisa além do artesanato bem dosado. Falta arte, isto é: renovação de soluções e caminhos.
            Mas estas fábricas de sonhos constituem o forte da indústria editorial porque há leitores – e muitos, milhares – que só se encontram na redundância, na repetição, do modelo pré-fabricado. Sua inteligência está treinada para perceber dentro dos limites do já conhecido, onde a dose de novidade deve ser mínima. Assim, ao criar uma obra com bons momentos, o autor usa a fôrma para extrair cinco ou dez “originais” mais ou menos parecidos, encantando o grande público e vencendo na vida sem fazer força; ao contrário dos artistas agustiados pela busca de algo indefinido, talvez a perfeição, talvez o compromisso de dar sempre o melhor de si.
            Não esqueçamos, no entanto, que não só os industriais da escrita constroem suas fôrmas de estimação.  Grandes autores, de reconhecido poder criativo, também se deixam seduzir pelo sucesso já alcançado. O maneirismo de alguns escritores nada mais é do que uma repetição de si mesmos, um apelo à valorização da fôrma em lugar da forma criativa.
            O grande García Márquez já foi acusado de desenformar novos livros de uma mesma fôrma. Da mesma fórmula de sucesso garantido.
            Se um prêmio Nobel de Literatura pode fazer concessões à burrice de estimação de cada um de nós, comodamente satisfeitos com o déjà vue, porque não um escrevente que vive da sua pena?
           
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            É evidente que o nosso gosto pela redundância, pela repetição, ou pelo já conhecido, é uma concessão à preguiça mental, à boa burrice de estimação. Mas é verdade também que a redundância é uma marca do homem. Mesmo no falar cotidiano demonstramos o nosso gosto pela redundância. Repetimos as idéias, muitas vezes, de muitas formas diferentes. Às vezes desnecessariamente.
            A poesia moderna, ao despir-se da redundância – ao aceitar a idéia segundo a qual “para o bom entendedor, meia palavra” – deixou de ser entendida por largas fatias de público acostumado a ler poesia alambicada e verbosa. O texto enxuto, econômico, às vezes não basta. Por falta de entendedor. Daí a prosa para a massa caminhar em sentido inverso.
           
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            Neste espaço do kitshen, Dean R. Koontz soube fabricar uma fôrma eficiente. Especializado em narrativas fantásticas de horror, ele consegue, em Esconderijo, realizar um livro bem dosado. Contar uma história em que os motivos se entrecruzam formando uma trama bem urdida. O foco ora se volta para as peripécias do protagonista, ora ilumina outros personagens igualmente importantes.
            Suspense, ação e horror são os ingredientes do livro. A ideia é antiga: o eterno duelo entre o bem o mal. O maniqueismo é uma forma de tornar os personagens planos e sem maior dimensão humana. Mas o resultado não deixa de ser eletrizante.
            Por isso temos que admitir que Dean R. Koontz não é um escrevente qualquer. É um escritor, um escritor de massa, com o qual, às vezes, o escritor erudito precisa aprender.
            Embora envolva no seu livro sugestões de magia negra e outras coisas, a crença judaico-cristã preside o grande duelo do livro: de um lado, Vassago, um dos nove príncipes do Inferno, do outro lado, Uriel, um dos arcanjos do Deus ocidental. Os homens ou os personagens da sua narrativa são meros instrumentos de ação destas forças polares.
            Mas há um ponto muito curioso no livro. Em meio a uma narrativa onde a inteligência dorme ou se espreguiça, Koontz dá uma espetada no acomodado leitor. A tradição cristã identifica a sexualidade com a degradação moral. Dito assim, a coisa sôa muito forte, mas não esqueçamos que tudo que diz respeito ao sexo e ao prazer é tido como pecado, como impureza.
            A nossa tradição moral e religiosa entra em choque com a velha idéia grega de duas forças antagônicas. De um lado, Eros, a força da criação, do prazer e da vida. Do outro lado, Thanatos, a força da destruição, da paralisação e da morte.
            Pois bem, curiosamente, o personagem que se identifica com Vassago, com a força do mal, tem horror ao sexo. Nas narrativas de inspiração cristã, as figuras diabólicas são altamente eróticas, enquanto as figuras identificadas com as forças divinas são inocentemente frias. Segundo o verso de Capinam, “todos os santos têm o sexo amputado”. Neste livro, Dean Koontz vira a mesa do jogo: as forças do mal detestam o sexo, por tudo aquilo que ele representa de vitalidade, de criação, de epifania do prazer e do amor. Voltado para a destruição, a morbidez e a morte, Vassago trava sua luta com a vida.
            Este é, sem dúvida, o ponto alto do livro, em termos de convite à participação do leitor. De solicitação ao confronto de idéias. Ou em outros termos: aí o autor consegue ser artista.
            O artista não é aquele que transgride os limites do estabelecido? Que extrai o imprevisto sumo da pedra? Não é aquele que procura ver o outro lado dos objetos, o lado que o olhar se recusa a alcançar?

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Uma fôrma de fabricar sucesso; artigo crítico sobre Esconderijo, de Dean R. Koontz. Romance. Rio de Janeiro, Record, 1994. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 23 jan. 95, p. 5.

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