10/11/2015

Floresta de padres e HISTÓRIA DE UMA IGREJA

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Floresta de Padres


            O Padre Manuel Bernardes é um mestre da boa prosa doutri­nária, imbuída de preceitos e preconceitos católicos do século XVII. Seu livro Nova Floresta ou Silva de Vários Apotegmas, em 5 volumes, foi revisitado por João Ubaldo Ribeiro, que fez uma seleção dos textos mais tragáveis pelo público de hoje.
            Embora tanto o editor quanto o organizador do volume se derramem em elogios ao texto barroco de Manuel Bernardes, a obra agrada apenas aos admiradores da boa prosa doutrinária, de inspira­ção medieval, retomada pelos católicos portugueses e espanhóis do século XVII. Assim, contextualizada, ela representa um importante documento, mas para o leitor comum, que procura um bom livro para ler hoje, o que chama atenção do texto barroco do bom padre é o seu pensamento ingênuo marcado por preconceitos, segundo os quais a vida dos leigos não passa de um amontoado de pecados e perdições.
        As mulheres, quer sejam mães ou freiras, mesmo assim, são vis­tas como cria­turas perigosas e diabólicas, con­forme o pensamento corrente entre os bons e contritos religiosos da Idade Média e dos séculos de contrarreforma. Apesar de ser um bom estilista barroco, o Padre Manuel Bernardes não tem uma formação filosófica capaz de se comparar aos seus conhecimen­tos teólogicos ou ao seu gosto pelas regras clássicas da língua latina. O estilo deste prosador doutrinário é marcado pelo hipérbato, ou pela inversão vocabular do discurso, bem a gosto dos leitores que apreciam o rebuscamento pelo rebuscamento.
            Por outro lado, falta ainda ao Padre Manuel Bernardes um in­grediente que um outro seu con­temporâneo, o Padre António Vieira, adicionou às suas pregações: o talento superior, ou, sem nenhum favor, a genialidade.
            Enquanto várias passagens dos sermões de Vieira ainda são lidas com deleite e vivo interesse pelos jovens leitores do século XX, a prosa doutrinária de Manuel Bernardes confina-se à temporalidade. É uma obra situada e datada.
            De um lado, Vieira ultrapassa o seu tempo e a sua circunstância jesuítica. Lembre-se que em virtude do talento e da lucidez do seu pensamento humanístico, ele foi vítima do terror imposto pela Santa Inquisição.
            Do outro lado, Bernardes é um prosador doutrinário bem comportado, preso ao pensamento teocêntrico medieval.
            Este livro que inaugura a coleção Arte da Prosa da Nova Fronteira – convém se dizer – restringe o alcance da série a um público mais diminuto ainda que o já minguado público leitor brasileiro: os admiradores da boa prosa doutrinária de inspiração católica. Só.
            De quebra, alguém que se assina O Editor – e que não sabemos bem de quem se trata – apresenta a coleção puxando as orelhas de todos nós, transgressores da velha e inflexível gramática dos defuntos antepassados. Magister dixit.

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Floresta de padres; artigo crítico sobre Nova floresta, de Manuel Bernardes. Seleção e apresentação de João Ubaldo Ribeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 226 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 6 fev. 95, p. 5.



História de Uma Igreja
                       

            Fernando Sá, um combativo representante do jornalismo do interior do estado, fundador e editor da Tribuna do Povo, de Maragogipe, acaba de publicar o livro História de uma Igreja, resultado das suas pesquisas e preocupações a respeito da igreja matriz de São Bartolomeu. Segundo o cronista, o velho templo maragogipano começou a ser construído, por iniciativa do vigário Manoel Coelho Gatto, em 1701, durando cerca de setenta anos os trabalhos de alicerces até a pintura dos painéis e altares.
            O acabamento da igreja, incluindo-se aí as pinturas sacras e as imagens, ocuparam muito tempo. Várias esculturas em madeira ainda hoje representam importantes obras do nosso acervo, como a imagem de São Jorge, em tamanho natural, do escultor Manoel Inácio da Costa.
            Outros artistas e artesãos da época foram contratados para os trabalhos de acabamento do templo, como Joaquim Pereira de Matos, conhecido por Joaquim Pataca. Fernando Sá lembra que Manoel Raimundo Querino, no livro Artistas Baianos, destaca entre os artistas envolvidos dos trabalhos da Igreja de São Bartolomeu os nomes de Floriano de Souza Farto, autor de dois altares nesta matriz, e do maragogipano Pedro Alexandre de Souza, autor de um dos altares.
            Observe-se que, segundo apurou Fernando Sá, a Matriz de Maragogipe tinha originalmente onze altares ricamente trabalhados e ornamentados. Destes foram retirados o de São Gonçalo, antigo padroeiro de Maragogipe, e de Nossa Senhora da Conceição, tendo sido criados depois mais quatro.
            No seu livro, História de uma Igreja, Fernando Sá registra o que chama de pilhagem de várias obras de valor do patrimônio da Matriz, como um facão de ouro, da imagem de São Bartolomeu, candelabros de cristal e alfaias de prata e pedras preciosas. Ainda segundo o cronista e historiador do templo de Maragogipe, a transferência destas relíquias para lugares ignorados deu-se durante a administração do Cardeal da Silva. Ele vem tentando aputar, sem sucesso, o destino destas peças.
            Obras como esta de Fernando Sá, a partir de uma perspectiva local, contribuem para uma história dos monumentos e da cultura na Bahia. Ao lado do seu irmão, Osvaldo Sá, Fernando Sá integra o mais expressiva esforço para o conhecimento da história do recôncavo baiano.

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Leitura Crítica é publicada todas as segundas-feiras,
na página 5 do segundo caderno de A TARDE.
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