Criação
e fantasia
“Quando se fala em realidade, fala-se em
coisas difíceis
e desagradáveis,
mas não é só isso,
ela é um conjunto de pequenos
tesouros, para os quais nem sempre temos os olhos abertos.”
João A. Carrascosa
– “Essa história da Lua do Futuro
que vou contar a vocês, e a fantástica viagem que eu e Ali-Ado fizemos à Cidade
dos Duplos, nem sequer me passava pela cabeça quando, naquela manhã ensolarada,
fui recolher o sonho da noite anterior. Lembro-me de que acordei meio
assustado, com os olhos cheios de dúvida e o coração pulsando como um bicho
enlouquecido. Eu sonhara que existia um outro Apo-Luzi, igualzinho a mim, num
lugar distante do Vale dos Luminas, e precisava encontrá-lo de qualquer jeito.”
A narrativa começa prometendo uma
viagem interior cheia de peripécias pelos caminhos e vales de uma terra
desconhecida. A partir da busca de si mesmo, que o jovem empreende para se
encontrar e para se tornar adulto, João A. Carrascosa constrói esta sua novela
destinada a crianças e adolescentes.
Criação e fantasia caminham de mãos
dadas para surpreender e encantar e leitor. Os herói da história partem em
busca de uma cidade situada no futuro e que é uma réplica da sua própria
cidade. É nela que moram os duplos de cada uma das pessoas. É nela que habita
aquela outra parte de cada um; que, quando encontrada, o torna mais sábio e
mais senhor dos seu destino.
Alguns dos episódios iniciais deste
livro criam a sensação de estarmos diante de uma obra destinada a se tornar um
clássico do gênero. Seu poder de encantamento é similar ao de muitos livros
escritos para crianças que atravessam os anos e continuam vivos como uma luz
que se auto alimenta. Esta impressão só é quebrada por algumas soluções que,
com um pouco mais de trabalho, seriam menos artificiais. Às vezes, o narrador
se excede nos vôos da fantasia criando um discurso demasiadamente alegórico
para a realidade da obra.
Como somos convidados a acompanhar
as pegadas dos personagens, a realidade deste mundo imaginário passa a ser,
durante a leitura, a nossa realidade referencial, com suas leis e seus
possíveis. Toda promessa precisa ser cumprida neste espaço mágico. Qualquer
promessa não cumprida de realização de fantasias diminui a confiança do leitor
neste seu guia-narrador pelos descaminhos da imaginação.
Os nomes dos personagens, embora se
sustentem na clássica atribuição de um significado — onde cada nome contém em
si mesmo uma pequena narrativa ou anuncia o caráter e as ações do personagem
nomeado –, terminam soando repetitivos. Ali-Ado, Segui-Dinha, Apo-Luzi,
Sabi-Don são soluções demasiadamente esperadas. O processo de composição de um
nome é idêntico ao do outro, sem permitir ao leitor exercitar um pouco mais a
inteligência. Todos eles são compostos e separados por um hífen, criando uma
similaridade abusiva. Que Ali-Ado, pela grafia, pareça filho de árabe, tudo
bem; mas uniformizar todo mundo já lembra parada de Sete de Setembro, recreio
em colégio de freiras ou desfile de marujos do Brasil. Trabalhar mais a
construção destes nomes, evitando a aplicação de uma mesma fôrma, só
contribuiria para o crescimento do livro. Afinal de contas, a cultura de massa
ou os programas televisivos abusam da repetição como forma de tornar as coisas
mais fáceis e tragáveis.
João A. Carrascosa, que, antes de
tudo, é um escritor que sabe dominar os instrumentos do seu ofício, pode nos
dar bem mais do que os profissionais da indústria cultural. É isto que
esperamos dele. Como A lua do futuro
certamente terá outras edições, a crítica poderá ser benéfica como desafio ao
autor. Afinal de contas, não estamos diante de um dos muitos textos
descartáveis que se publicam para crianças, mas diante de uma obra que veio
para ficar. E, por isso mesmo, a ela não se permitem soluções de superfície.
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Criação e fantasia. Artigo crítico sobre o livro A lua do futuro, de João A. Carrascoza. São Paulo, Ática, 1995, 128 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 17 jul. 95, p. 5.
Criação e fantasia. Artigo crítico sobre o livro A lua do futuro, de João A. Carrascoza. São Paulo, Ática, 1995, 128 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 17 jul. 95, p. 5.
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