10/11/2015

O corpo da paixão

O CORPO DA PAIXÃO
            
            O afeto, as águas turvas da alma e as límpidas pedras do corpo constituem o tema desde livro de Tereza Tenório, poeta do Recife. Corpo da terra reúne um pouco da poesia quente e expressiva de uma das vozes mais enfáticas da poesia feminina no Brasil.
            Os três núcleos ideativos que marcam o percurso do livro são “Corpo da terra”, “Geografia da origem” e “Intersigno”, perpassados por uma temática recorrente: o afeto, quer em forma do amor, tema antigo e renovado; na forma do aprendizado amoroso situado no lugar onde a geografia é origem; e, por fim, o romper do fio tênue de um querer-bem primeiro, ou o amor temporariamente vencido pelo seu arquirrival, Thanatos, o impiedoso senhor do nunca mais.
             Os momentos mais marcantes e cheios de tensão do livro de Tereza Tenório são aqueles em que o corpo da paixão fulgura como uma estrela, objeto com luz própria que se incendeia ao toque da superfície. No poema “A quem amo”, a síntese e o ápice do dito, da palavra de mulher:

“Iluminaram-se salões
impenetráveis de ácido
os interdérmicos beijos
desses ritos ancestrais
de nos comermos em pelo
desde os limites dos ossos
aos insondáveis avessos.”

            Corpo da Terra, sexto livro de Tereza Tenório, publicado pela Tempo Brasileiro, dá ao leitor a medida de que a poesia continua insistindo em dizer tudo aquilo que a velocidade e a máquina ocultam mas não conseguem apagar. Sobre a escrita da autora, além do que já se disse, pode-se ainda acrescentar, retomando de perto uma afirmação de Olga Savary, que estamos diante de um despojamento que se propõe lapidar. E mais: consegue lapidar o mineral extraído da terra. Teresa Tenório escreve com a suavidade poderosa da água na superfície da pedra. Eis o corpo da terra.

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O corpo da paixão (resenha de livro). “Literatura”, seção do jornal A Tarde, Salvador, 31 out. 94, p. 5.

Teresa Tenório. Corpo da terra; poesia. Apresentação de Fábio Lucas. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1994.


Pensamento, linguagem e informática

            Ao enfrentar o problema das relações entre linguagem e pensamento como atividades básicas do cérebro, Israel Rosenfield não prescinde das investigações atualmente empreendidas na área da informática, como meio de simulação das experiências com o cérebro humano. Se no passado os neurologistas se valiam da intervenção direta sobre os neurônios como forma de testar suas hipóteses, o avanço da ética retraiu tais experiências. Como alternativa, os modelos eletrônicos passaram a despertar a atenção dos estudiosos da saúde mental e da estrutura cerebral.
            Mas uma pergunta, ainda irrespondida de modo definitivo, perturba os especialistas: o conhecimento adquirido pelo homem através da percepção e da reelaboração psíquica está guardado no cérebro como os dados no banco de memória de um computador?
            Tradicionalmente, o cérebro era visto como um reservatório, onde as experiências e pensamentos eram armazenados em locais específicos ou em determinados grupos de neurônios. Freud, por exemplo, que antes de se tornar o criador da psicanálise, empreendeu pesquisas neurológicas e exerceu clinicamente a neurologia, esboçou, em 1895, um psicologia para neurologistas. Neste texto, ele retoma a tradição acadêmica para depois ir adiante e apresentar uma tentativa inicial de uma nova compreensão da vida psíquica. Ao classificar os neurônios como permeáveis e impermeáveis, reservou aos primeiros a tarefa de mediar a passagem de energia e, conseqüentemente, de informações, e aos segundos o papel de centros retentivos. É esta segunda classe de neurônios que possibilita a constituição da memória.
            Mas, desde esta época, uma questão surgia: uma vez armazenados estes dados permanecem estáveis e inalteráveis ou podem ser dinamizados e conseqüentemente recombinados com outros dados e outras informações? Este mesmo problema que se apresentava a Freud também, preocupa Rosenfield que vê o cérebro não como um reservatório, mas como um gerador criativo da memória.
            O autor, que é graduado em medicina pela Universidade de Nova York e doutor em Princeton, pretende com os estudos expostos neste livro e anteriormente apresentados em aulas e conferências em várias universidades norte-americanas, rever e acrescentar algo de novo 1a descoberta de Paul Broca. Em 1861, Broca percebeu que a perda da capacidade da fala podia ser atribuída a uma pequena lesão do lado esquerdo do cérebro. Em seguida, descobriram-se outros centros da linguagem que provavelmente exerciam diferentes tarefas lingüísticas, bem como foram identificadas outras áreas do cérebro que controlavam os movimentos do corpo em partes como as mãos, os dedos, a língua etc.
            As investigações de Israel Rosenfield querem negar o ponto de vista dos adeptos da localização das funções e traços mnemônicos permanentes. Por outro lado, ele não abandona a lição anterior segundo a qual o cérebro é uma estrutura biológica e acrescenta: “Somente em termos de princípios biológicos é que seremos capazes de entendê-lo. É tarefa deste livro (...) determinar a importância desses princípios.”
            Mas a rigor, Israel Rosenfield arrola uma série de estudos do século passado e dos últimos anos sem dar a eles uma organicidade capaz de tornar seu livro uma contribuição por si mesma importante. Falta ao texto amarrar as idéias anunciadas de modo convincente e sistemático para que Rosenfield dê a contribuição que os editores do livro anunciam.

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Israel Rosenfield. A Invenção da Memória: Uma Nova Visão do Cérebro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994.

Pensamento, linguagem e informática (resenha de livro). “Literatura”, seção do jornal A Tarde, Salvador, 31 out. 94, p. 5.


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