PENSAMENTO, LINGUAGEM E INFORMÁTICA
Ao enfrentar o problema das relações entre linguagem e
pensamento como atividades básicas do cérebro, Israel Rosenfield não prescinde
das investigações atualmente empreendidas na área da informática, como meio de
simulação das experiências com o cérebro humano. Se no passado os neurologistas
se valiam da intervenção direta sobre os neurônios como forma de testar suas
hipóteses, o avanço da ética retraiu tais experiências. Como alternativa, os
modelos eletrônicos passaram a despertar a atenção dos estudiosos da saúde
mental e da estrutura cerebral.
Mas uma pergunta, ainda irrespondida de modo definitivo,
perturba os especialistas: o conhecimento adquirido pelo homem através da
percepção e da reelaboração psíquica está guardado no cérebro como os dados no
banco de memória de um computador?
Tradicionalmente, o cérebro era visto como um
reservatório, onde as experiências e pensamentos eram armazenados em locais
específicos ou em determinados grupos de neurônios. Freud, por exemplo, que
antes de se tornar o criador da psicanálise, empreendeu pesquisas neurológicas
e exerceu clinicamente a neurologia, esboçou, em 1895, um psicologia para
neurologistas. Neste texto, ele retoma a tradição acadêmica para depois ir
adiante e apresentar uma tentativa inicial de uma nova compreensão da vida
psíquica. Ao classificar os neurônios como permeáveis e impermeáveis, reservou
aos primeiros a tarefa de mediar a passagem de energia e, conseqüentemente, de
informações, e aos segundos o papel de centros retentivos. É esta segunda
classe de neurônios que possibilita a constituição da memória.
Mas, desde esta época, uma questão surgia: uma vez
armazenados estes dados permanecem estáveis e inalteráveis ou podem ser
dinamizados e conseqüentemente recombinados com outros dados e outras
informações? Este mesmo problema que se apresentava a Freud também, preocupa
Rosenfield que vê o cérebro não como um reservatório, mas como um gerador
criativo da memória.
O autor, que é graduado em medicina pela Universidade de
Nova York e doutor em Princeton, pretende com os estudos expostos neste livro e
anteriormente apresentados em aulas e conferências em várias universidades
norte-americanas, rever e acrescentar algo de novo 1a descoberta de Paul Broca.
Em 1861, Broca percebeu que a perda da capacidade da fala podia ser atribuída a
uma pequena lesão do lado esquerdo do cérebro. Em seguida, descobriram-se
outros centros da linguagem que provavelmente exerciam diferentes tarefas
lingüísticas, bem como foram identificadas outras áreas do cérebro que
controlavam os movimentos do corpo em partes como as mãos, os dedos, a língua
etc.
As investigações de Israel Rosenfield querem negar o
ponto de vista dos adeptos da localização das funções e traços mnemônicos permanentes.
Por outro lado, ele não abandona a lição anterior segundo a qual o cérebro é
uma estrutura biológica e acrescenta: “Somente em termos de princípios
biológicos é que seremos capazes de entendê-lo. É tarefa deste livro (...)
determinar a importância desses princípios.”
Mas a rigor, Israel Rosenfield arrola uma série de
estudos do século passado e dos últimos anos sem dar a eles uma organicidade
capaz de tornar seu livro uma contribuição por si mesma importante. Falta ao
texto amarrar as idéias anunciadas de modo convincente e sistemático para que
Rosenfield dê a contribuição que os editores do livro anunciam.
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Israel Rosenfield. A
Invenção da Memória: Uma Nova Visão do Cérebro. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1994.
Pensamento, linguagem e
informática (resenha de livro). “Literatura”, seção do jornal A Tarde,
Salvador, 31 out. 94, p. 5.
O corpo da paixão
O afeto, as águas turvas da alma e as límpidas pedras do
corpo constituem o tema desde livro de Tereza Tenório, poeta do Recife. Corpo
da terra reúne um pouco da poesia quente e expressiva de uma das vozes mais
enfáticas da poesia feminina no Brasil.
Os três núcleos ideativos que marcam o percurso do livro
são “Corpo da terra”, “Geografia da origem” e “Intersigno”, perpassados por uma
temática recorrente: o afeto, quer em forma do amor, tema antigo e renovado; na
forma do aprendizado amoroso situado no lugar onde a geografia é origem; e, por
fim, o romper do fio tênue de um querer-bem primeiro, ou o amor temporariamente
vencido pelo seu arquirrival, Thanatos, o impiedoso senhor do nunca mais.
Os momentos mais
marcantes e cheios de tensão do livro de Tereza Tenório são aqueles em que o
corpo da paixão fulgura como uma estrela, objeto com luz própria que se
incendeia ao toque da superfície. No poema “A quem amo”, a síntese e o ápice do
dito, da palavra de mulher:
“Iluminaram-se salões
impenetráveis de ácido
os interdérmicos beijos
desses ritos ancestrais
de nos comermos em pelo
desde os limites dos ossos
aos insondáveis avessos.”
Corpo da Terra, sexto livro de Tereza Tenório, publicado
pela Tempo Brasileiro, dá ao leitor a medida de que a poesia continua
insistindo em dizer tudo aquilo que a velocidade e a máquina ocultam mas não
conseguem apagar. Sobre a escrita da autora, além do que já se disse, pode-se
ainda acrescentar, retomando de perto uma afirmação de Olga Savary, que estamos
diante de um despojamento que se propõe lapidar. E mais: consegue lapidar o
mineral extraído da terra. Teresa Tenório escreve com a suavidade poderosa da
água na superfície da pedra. Eis o corpo da terra.
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O corpo da paixão (resenha de
livro). “Literatura”, seção do jornal A Tarde, Salvador, 31 out.
94, p. 5.
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