26/10/2015

Vinícius da Paixão Brasileira

Vinícius da Paixão Brasileira

Os poetas não têm biografia.
Sua obra é sua biografia.
Mas José Castello
parte de polo oposto:
num copo de bebida,
nos braços de uma mulher
ele desvenda a biografia
de Vinícius de Moraes.

            As quase quinhentas páginas deste livro sobre a vida de Vinícius de Moraes são lidas com prazer e sem esforço, graças ao texto fluente de José Castello, um profissional da escrita. Os dez capítulos do livro seguem de perto o trajeto do biografado. Se nos primeiros, temos uma bem urdida exposição sobre a vida intelectual da então Capital do Brasil, os capítulos finais constituem uma quase história da música brasileira, sob o foco narrativo de um pesquisador em busca da verdade de Vinícius.
            Como testemunho da última fase do livro, e da vida do poeta, desfilam perante nossos olhos os bastidores da vida artística. A generosa amizade de alguns e o gosto pelo dinheiro de outros, interesse este que norteou a relação de Tom Jobim com Vinícius. Dois momentos importantes na vida do poeta: a sua primeira parceria, na trilha sonora de Orfeu  a peça de teatro e depois o filme de Camus  e a abertura do Teatro Municipal do Rio, com sua orquestra sinfônica, para celebrar a música de Vinícius. Nestes dois momentos, o dinheiro foi a motivação de Tom Jobim. No primeiro caso, para o então desconhecido músico de boates iniciar uma parceria bem sucedida, rumo ao sucesso internacional. No segundo caso, a não perspectiva de retorno financeiro, para o já consagrado maestro decepcionar o amigo.
            José Castello mostra em poucas pinceladas os personagens desta história. Um retrato 3 X 4, mas um retrato nítido e preciso, sob o ângulo da sua pena. As nove mulheres ou os nove casamentos são mostrados ora a partir dos dados colhidos junto às amadas, ora a partir de lentes alheias. Às vezes generosas. Às vezes cortantes.
            Uma direção contrária ao texto poético aponta a pesquisa de Castello. Otávio Paz, ao fazer um resumo biográfico de Fernando Pessoa, disse que “os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia”. O autor de Vinícius de Moraes: Poeta da Paixão,  ao “tentar fazer uma biografia”, desde logo, desiste “da idéia de que a poesia se passa nos livros”. É num copo de bebida, nos braços de uma mulher ou nos palcos da vida que o biógrafo vai buscar o poeta. Ora cantando para estudantes na Bahia, nos anos do sonho hippie, ora fazendo grandes espetáculos na Argentina ou em Portugal. Nos bastidores, as grandes paixões que impulsionaram a vida de Vinícius.
            A vida intelectual dos anos 30, a partir da Faculdade de Direito da Rua do Catete, ganha um retrato digno e bem feito, conquanto breve, neste livro em que José Castello sustenta a sua admiração pelo poeta no estudo atento de momentos e contextos marcantes. É aí que o biógrafo vai buscar as fontes metafísicas da poesia e da canção de Vinícius, recuando à educação com jesuítas e ao clamor perante o infinito. Otávio de Faria, Jackson de Figueiredo, Alceu Amoroso Lima, Plínio Salgado, são nomes e figuras envolvidos na formação do poeta. Uns, como Otávio de Faria, de modo próximo e marcante. Outros, compondo o painel de fundo.
            De qualquer forma, o que mais se destaca nesta biografia é a certeza de que o poeta, o diplomata e o compositor Vinícius de Morais, ou os múltiplos anseios reunidos em um só corpo, chegam a um único lugar: o prazer de viver. Vinícius trocou as convenções sociais e a esterilidade afetiva do mundo intelectual pela paixão, daí o título que resume todo o percurso, Vinícius de Moraes: Poeta da Paixão.
            Por tudo, o esforço de José Castello para conter a vida de Vinícius de Moraes nos limites do seu livro resulta num texto denso e cheio de vida. Um texto para ser lido.

José Castello. Vinícius de Moraes: O poeta da paixão, uma biografia. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

Vinícius da paixão brasileira (resenha). “Livros & Idéias”, seção do jornal A Tarde, Salvador, 19 set. 94, p. 5.


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