22/11/2015

ciência

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Ciência e saber

      O físico Albert Einstein, apesar de ter sido um dos cientistas mais importantes do século, não criou uma barreira entre o seu trabalho e a sua condição de ser social. Deste modo, pôde compreender as questões básicas das ciências humanas para, enquanto homem, apresentar a sua visão do mundo circundante.
     Até aí nada torna as idéias de Einstein, quando elas extrapolam as fronteiras da sua disciplina, mais importantes do que a de outras pessoas; mas o rigor científico e a inteligência do autor fazem com que ele trate de questões alheias à física como um estudioso perspicaz. A sua reflexão crítica aproxima-se da dos filósofos, nos levando a ceder ao velho mito da genialidade do autor da teoria da relatividade.
      Mesmo tratando de questões que vão dos fundamentos da física teórica à religião, passando pelas questões raciais, pela educação e pelos problemas sociais, os Escritos da Maturidade de Einstein, publicados pela Nova Fronteira, constituem um esforço de sistematizar a experiência diversa, possibilitando o entendimento mais preciso.
     Quando aproximo o seu método de abordagem e compreensão crítica dos problemas circundantes, da atitude do filósofo, é porque a reflexão de Einstein, mesmo em circunstâncias corriqueiras, é sempre a de um estudioso, de um cientista. A compreensão rigorosa dos assuntos tratados permite a sua inserção num sistema mais amplo.
     Sua definição de ciência cria maior identidade entre as ciências da natureza e as da cultura, as chamadas ciências humanas e sociais, incluindo-se aí o trabalho da filosofia. Para ele, “ciência é o esforço de reunir, através do pensamento sistemático, os fenômenos perceptíveis do mundo, numa associação a mais completa possível”. E para reforçar tal definição, ela é caracterizada ainda como a “tentativa de fazer a diversidade caótica de nossa experiência sensorial corresponder a um sistema de pensamento logicamente uniforme”. Creio que a epistemologia não propõe reparos a este conceito.
     Se tomarmos as diversas intervenções de Einstein que constituem os Escritos da Maturidade, veremos o quando preciso é o seu enfoque dos diversos objetos. Quando ele fala, por exemplo, de questões como “A linguagem comum da ciência”, procura sustentação no saber da lingüística. Seu enfoque aponta para o fundamento filosófico da compreensão da linguagem, que permitiu a Saussure sistematizar a lingüística moderna.
     Escritos da Maturidade é um livro dirigido a todo e qualquer leitor inteligente. Se mais de cem páginas são dedicadas à física, outras tantas tratam de disciplinas humanísticas ou, ainda, de fatos do cotidiano que interferiram na vida do autor. A sua condição de judeu – e de emigrante num período de conflitos e guerras – fez com que os problemas raciais merecessem especial atenção.
     E como não poderia deixar de ser – um judeu sempre se preocupa com a economia – Einstein justifica a sua intromissão em problemas das ciências econômicas. Assim é que surge o artigo “Por que o socialismo?”.
     Com o fim da ditadura comunista do leste europeu, as pessoas esqueceram a necessidade da sociedade dispor de instrumentos capazes de coibir a exploração do homem pela usura do capital. É como se os erros de implantação do socialismo praticados pelo desvario de uma ditadura do proletariado autorizassem aos detentores do capital liquidar as classes trabalhadoras, reduzindo-as a escravos da nova era.
     Os políticos identificam o aumento de privilégios concedidos aos grandes grupos econômicos com a noção de modernidade. Todo e qualquer instrumento social de defesa do bem-estar da maioria é identificado com o atraso; e a salvaguarda dos interesses da minoria é apontada como fundamento do liberalismo mais moderno.
     Einstein nos lembra que os animais dispõem de instintos rigidamente observados e de traços hereditários capazes de assegurar o atendimento das necessidades básicas, enquanto os homens não conseguem atrelar o seu desenvolvimento social às necessidades biológicas. Assim, o ser humano é mais dependente de uma organização social fundada na convenção e nas leis de proteção ao indivíduo.
     Se a sociedade, como um todo, não dispuser de meios para coibir a ação predadora de indivíduos ou grupos organizados, a vida e a dignidade humana estarão ameaçadas. A força de indivíduos em sociedades animais é colocada a serviço da espécie, mas esta mesmo força no caso humano é utilizada para a escravização do mais fraco.
     Einstein diz que “a anarquia econômica da sociedade capitalista tal como ela existe hoje é a verdadeira fonte do mal. Vemos diante de nós uma imensa comunidade de produtores cujos membros lutam para despojar uns aos outros dos frutos do seu trabalho – não pela força e sim pelo fiel cumprimento de normas legalmente estabelecidas.” O capital tende a se concentrar cada vez mais em poucas mãos e o enorme poder desta oligarquia, quando incentivado pela debilitação econômica do estado, não pode ser controlado pela sociedade democraticamente organizada.
     “A produção é orientada para o lucro, não para o uso”, e o progresso tecnológico “em vez de aliviar a carga de trabalho para todos, resulta em maior desemprego”. Por isso ele defende o que chama de economia planejada, com o ajuste da produção às necessidades da comunidade.
     Talvez as reflexões de um homem como Alberto Einstein sejam mais inteligentes do que a do neoliberalismo.

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Ciência e saber. Artigo crítico sobre o livro Escritos da maturidade,  de Albert Einstein. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 15 dez. 97, p. 7.

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Correspondências para esta coluna:
R. Alberto Pondé, 147/103. 40.280-630, Salvador, Bahia