23/11/2015

memórias

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas


Memórias políticas e pessoais

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O homem e o muro,
de Rubem Nogueira,
resgata momentos
da nossa
história política
e da vida baiana
pelas lentes
de um personagem
convicto
dos seus ideais.
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Memória e ficção constituem formas de escrita que andam de mãos dadas. A primeira, necessariamente comprometida com a história e a verdade. A segunda, conduzida pela criação e pelo invento. Mas estes quatro elementos condutores da narrativa não permanecem isolados, em estado puro, tanto na primeira quanto na segunda forma. A ficção, mesmo obedecendo às leis da fantasia, não deixa de se nutrir da história e da verdade do homem, enquanto a memória, fiel à história e à verdade, não prescinde da criação e do invento.

Os livros de Zélia Gattai podem servir de exemplo: inicialmente mais voltados para a memória, adentraram os labirintos da ficção até que a autora optasse pelo romance, sem desfazer o espaço contíguo entre um e outro gênero.

É a predominância dos elementos tomados como essenciais que constitui a forma adotada, assegurando à memória um lugar entre os modernos gêneros literários. O memorialista pode ser um escritor tão hábil e senhor do seu ofício quanto o romancista, criando perante o leitor uma dimensão imaginária onde tempo e lugar se fundem numa nova realidade, constituída pelo diálogo das subjetividades de quem escreve e de quem lê.

Pedro Nava foi um homem de ciência que construiu um espaço próprio na literatura através do gênero memorialístico. Sua narrativa, bem urdida e identificada pelo poder de encanto e sedução, pode ser posta lado a lado com a melhor narrativa ficcional dos nossos dias.

Tal proximidade entre os gêneros vem exigindo do memorialista o poder de sedução do contador de histórias e o engenho do escritor para assegurar a atenção do leitor.

O homem e o muro, de Rubem Nogueira, publicado pela GRD, é um livro de quatrocentas e tantas páginas, em formato grande, que pode ser lido com interesse e renovado prazer, mesmo por quem não compartilha com ele os mesmos princípios ideológicos.

Clara e intransigentemente comprometido com o integralismo, o autor consegue transmitir as suas convicções, forjando um território ameno onde ele e seu leitor se encontram numa agradável conversa de velhos conhecidos. Não é demasiadamente redundante lembrar que este tom de conversa cativante é a base de toda prosa, quer seja literária ou de (in)formação.

A construção de um espaço dialógico ameno e agradável tornou-se possível mesmo diante de temas tão díspares e controvertidos, onde as opiniões podem ser divergentes. Mesmo diante de um texto que é principalmente um registro, para a posteridade, da intervenção do autor em acontecimentos marcantes dos últimos cinquenta anos, vale o prazer da leitura.

Alguns fatos são cruciais, formados por momentos tensos da nossa história; mas a elegância da exposição e da escrita de Rubem Nogueira transforma o vendaval numa corrente de vento que nos traz informações e enfoques preciosos.

Outro ponto digno de registro é o poder de argumentação do autor deste livro, conduzindo o leitor no processo de compreensão das situações controvertidas. Rubem Nogueira defende seus pontos de vista com intransigência, porém de modo elegante; o que não deixa de cooptar opiniões.

O homem e o muro é na verdade a história de uma vida, a vida do autor, mas os ideais deste homem fizeram com que os acontecimentos pessoais e familiares estivessem intimamente ligados aos acontecimentos da vida brasileira.

Político atuante, deputado signatário da constituição baiana de 1947, biógrafo de Ruy Barbosa e cultor do direito, a exemplo do seu biografado, Rubem Nogueira não foi apenas um figurante, mas um protagonista de episódios da vida pública do seu estado e do seu país.

Repórter político, militante integralista, professor titular de direito, membro do Ministério Público, procurador geral da Justiça, deputado estadual e federal, defendeu com firmeza suas posições. Foi nesta condição que, em abril de 1979, Rubem Nogueira foi guinado a consultor jurídico do Ministério da Justiça. No quadro de conflitos impostos ao país pelo regime militar, coube ao biógrafo de Ruy a tarefa de fornecer ao ministro da Justiça o embasamento jurídico do projeto de anistia enviado ao Congresso Nacional.

Com a mesma intimidade com que fala dos acontecimentos da sua cidade natal, Serrinha, Rubem Nogueira trata de acontecimentos da vida brasileira. Demonstrando conhecimento analítico dos fatos, traz lições úteis e instrutivas para aqueles que, pela distância cronológica ou espacial, não viveram tais experiências.

Entre os acontecimentos políticos que marcaram a vida do país, o integralismo tem um destaque acentuado, permeando vários capítulos do livro. Como se trata de uma obra de memórias políticas e familiares, tal relevo dado ao movimento integralista é justificado; mas convém observar que ele tem mais importância na vida política do autor e na sua formação do que na vida política nacional.

O homem e o muro junta-se à bibliografia de Rubem Nogueira, onde figuram títulos como Pareceres, História de Ruy Barbosa, Ruy Barbosa e a técnica da advocacia, Condições jurídicas das riquezas minerais do subsolo, Curso de Introdução ao estudo do direito e, principalmente, O advogado Ruy Barbosa, obra publicada em 1949 que alcançou diversos prêmios e quadro edições.

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Memórias políticas e pessoais. Artigo crítico sobre o livro O homem e o muro, de Rubem Nogueira. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 17 ago. 98, p. 7.