Novo romance norte-americano
O leitor brasileiro
que não tem acesso às publicações originais norte-americanas conhece Jim Dodge
como o autor de Fup, uma excelente
narrativa, cujo bom humor e divertida facilidade do autor de contar uma
história atraiu a atenção dos leitores de vários países.
Publicado nos
Estados Unidos, em meados de 1983, por uma pequena editora da Califórnia, o
livrinho alcançou três edições em apenas quatro meses, graças à divulgação,
boca a boca, feita exclusivamente pelos leitores entusiasmados. Deste modo,
chamou a atenção dos grandes jornais e editores do mundo inteiro e consagrou o
nome do autor.
Foi classificado pelo Los Angeles Times como “uma fábula contemporânea de charme,
sabedoria e beleza transcendentais” e reconhecido pelo New York Times como “um
best-seller do underground”.
Em 1984
o livro fazia sucesso no Brasil, alcançando mais de uma edição pela Nova
Fronteira. Desde então o leitor brasileiro registrou o nome de Jim Dodge, autor
de uma narrativa pequena e densa, graças à economia textual de um escritor
deliberado a divertir e dizer algumas coisas que considerava essenciais.
Agora
José Olympio lançou o romance O enigma da
pedra, revelando um Jim Dodge caudaloso e rocambolesco, ao longo das mais
de quatrocentas páginas. Se no pequeno livrinho de noventa páginas, a história
de Fup, um pato fodido (conforme a tradução do seu nome), era contada em letras
grandes e espaço branco para que o texto permitisse a impressão de um pequeno
volume, O enigma da pedra espreme a
mirabolante história de Daniel Pearse numa letrinha miúda e apertada para caber
em quatrocentas e poucas páginas.
Mas Jim Dodge é um
mestre da narrativa curta, condensando aí todo o poder da sua fantasia e toda
densidade da sua criação. Ao pretender escrever um livro grande, conforme o
figurino dos lucrativos best-sellers
americanos, abdicou da possibilidade de escrever um grande livro, criando
lugares comuns tão esperados como o trocadilho desta frase. É uma pena.
As primeiras cem
páginas do livro prometem ao leitor um Jim Dodge tão vivo e cheio de tiradas
impressionantes como as de Fup, mas a
narrativa é emperrada pelo enfoque novelesco das várias aventuras do
personagem, que aprendia as artes da malandragem com mestres escolhidos pela Amo, uma inverossímil sociedade
beneficente de foras-da-lei.
O narrador constrói
uma benemérita “máfia” boazinha, como uma fada madrinha dos contos infantis, e
para compensar a ingênua criação revela o lado sórdido do poder oficial
americano, especialmente da famigerada CIA.
Mas os capítulos
dedicados à formação de Daniel como arrombador de cofres, consumidor e
traficante de drogas, falsário, trapaceiro etc., nem sempre são divertidos e
ágeis. Às vezes, revelam a sua condição de “enchedores de lingüiça”, já que
foram concebidos para dar corpo a uma história curta, no seu núcleo ou na sua
essência.
Assim como alguns
autores foram talhados para escrever contos, outros tiveram sua criatividade
dirigida para pequenas narrativas que não chegam a constituir um romance.
Forçar a barra termina em desastre.
Assim é Jim Dodge:
sua linguagem irreverente, sua narrativa viva e bem humorada ficam monótonas e
melancólicas quando pretendem se espichar. Ele continua sendo um “genial” autor
do velho e renascido underground.
Deixar suas calças jeans e sua camiseta de lado, para envergar um fraque ou uma
casaca longa, torna o corpo tristemente desengonçado.
Parece que o velho Fup foi escrito como devem ser escritas
as boas obras literárias: com garra e encantamento. Já O meio da pedra nos lembra uma escrita ambicionando o figurino dos best-sellers mais rentáveis e menos
originais.
Quando a narrativa
se ocupa do aprendizado de Daniel como jogador de cartas, intermináveis páginas
relatam monótonas partidas com a fidelidade de um escrivão juramentado. Para os
viciados em carteado, o texto deve ser uma excelente recordação masturbatória do
jogo em si. Para o leitor ávido em acompanhar o desenrolar da pequena e inchada
trama, estas longas páginas são um convite para se pular para a situação
seguinte.
Se o
leitor estiver a fim de rescrever o livro no ato da leitura, cortando as
páginas que atulham o caminho da narrativa, vai se divertir com este exercício
destinado a garimpar no curso da escrita de Jim Dodge. Fora daí, sentirá a
frustração, muito embora continue lendo até o fim porque, apesar do entulho
comercial jogado no meio do corredor, Jim Dodge continua sendo um escritor ágil
e capaz de fazer brilhar o seu engenho criador.
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Novo romance
norte-americano. Artigo crítico sobre o livro O enigma da pedra, de Jim Dodge. Coluna “Leitura Crítica” do
jornal A Tarde, Salvador, 20 abr. 98,
p. 7.