21/11/2015

revista de integração

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Revista de integração literária

O Brasil é um país muito pobre em publicações literárias. Em termos comparativos com outros países menores e menos ricos, observa-se que aqui praticamente não se lê.
Tomemos um exemplo próximo: Portugal é um pais menor do que alguns pequenos estados brasileiros. Sua população também é menor do que a população de uma das nossas grandes cidades, São Paulo. Mesmo assim, uma edição de livros feita lá tem uma tiragem idêntica a de uma edição brasileira, o que quer dizer que, seguindo o exemplo da antiga metrópole colonial, deveríamos ter em estados como Espírito Santo, Pernambuco ou Ceará edições equivalentes às portuguesas. Em termos de Brasil, nossas edições deveriam ser, no mínimo, dez, vinte ou trinta vezes maiores do que as edições portuguesas. Assim, estaríamos num mesmo nível de inteligência.
Observe-se que, segundo a cultura da piada, português é visto como burro. Se um povo que lê muitas e muitas vezes mais do que nós é tratado assim, imagine-se como o brasileiro deve ser tratado por eles...
Convém lembrar que, além de livros, Portugal publica algumas revistas culturais de altíssimo nível, que circulam inclusive no Brasil: Colóquio Letras, Colóquio Artes, Ler, Revista Internacional de Língua Portuguesa etc.
Quando nos vemos em espelhos como estes, observamos que o grau de civilização de um povo pode ser avaliado pelas suas publicações e pela sua leitura. Salvador é uma cidade quase tão grande quanto Paris (pelo menos segundo as estatísticas). A única diferença é que mais da metade da população daqui vive na miséria, mora em invasões sem água, sem luz e sem esgotos. Não freqüenta escolas, não vai ao teatro, não conhece o Louvre, não come queijo, não bebe vinho, nem tem seguro saúde. Veja-se o quanto se lê e publica aqui e lá. Pois é. Com­parar parece piada de mau gosto. David e o gigante.
Para não dizer que não falei de flores, neste reinado de D. Fernando II também se publica muito. Lair Ribeiro, Paulo Coelho, livros de auto ajuda e quejandos. O próximo grande sucesso editorial poderá ser o livro Como venci na vida em nome de Deus, do “bispo” Edir Macedo.

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Fora as publicações de empresas e instituições como a Biblioteca Nacional, as Universidades, a Casa de Jorge Amado etc., pouco resta no país. Quem tem notícias do Jornal de Letras, do Boletim de Ariel e de tantas outras publicações?
O Minas Gerais Suplemento Literário, que foi a mais importante iniciativa brasileira do gênero virou boletim interno de uma das tendências vanguardistas de Belo Horizonte. Este jornal, anteriormente com ampla circulação no Brasil e no exterior, servia de vitrine da literatura brasileira. Júlio Cortázar disse que passou a conhecer melhor a nossa literatura através da leitura semanal do Minas Gerais. Diferentemente das revistas universitárias, milhares de exemplares eram distribuídos pelo Brasil e pelo mundo.
Com as mudanças de governo e o afastamento do grupo que concebeu e deu porte ao Minas, nada restou da antiga publicação. Somente o espaço aberto à espera de algo novo.
É neste quadro que surgiu o empenho de intelectuais gaúchos na criação de um veículo de integração. Vem de Porto Alegre a publicação da Revista Literária Blau. Inicialmente, Walmor Santos começou a publicar um jornalzinho intitulado Blau. A coisa foi crescendo, adesões foram feitas através de assinaturas. Chegou-se a uma tiragem de mais de cinqüenta mil exemplares.
Depois de uma dezena de edições, quando as dificuldades financeiras começaram a ameaçar o trabalho, uma importante empresa gráfica do Rio Grande do Sul, a Maredi, chamou a si a responsabilidade de bancar a impressão. O que era um pequeno jornal transformou-se numa revista toda a cores, esbanjando qualidade gráfica. Os empresários da Maredi compreenderam que uma revista deste porte, inicialmente com tiragem fixa de vinte mil exemplares, funciona como cartão de visita do seu sistema gráfico, além de cumprir as finalidades literárias pretendidas pelo idealizador de Blau.
A tiragem poderá aumentar com a adesão de organismos empenhados na divulgação internacional da nossa cultura e com as novas assinaturas que começam a ser feitas. No Brasil, a assinatura anual custa R$15,00. O interessado envia os dados para a Revista Literária Blau — Caixa Postal 20.255, ACF Princesa Isabel, CEP 90620-970, Porto Alegre, RS — e recebe uma guia de pagamento bancário.
Mas, afinal de contas, o que é Blau?
O título marca a revista como uma conversa de gaúchos, inspirada no personagem de Simões Lopes Neto. Segundo Volnyr Santos, “Blau Nunes não é apenas um ser pitoresco que veste poncho e pala, que usa botas e espora, Blau Nunes é um ser que procura, por intermédio da linguagem”.
Neste número, Blau chega becos e ladeiras da Bahia trazendo um artigo sobre a poesia de Ruy Espinheira Filho. No próximo, que sai nesta primeira semana de julho, Myriam Franga será vista através do livro Femina.

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Revista de Integração Literária. Artigo do opinião sobre periódicos literários. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 7 jul. 97, p. 7.

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