Cabral e a estética da modernidade
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Idéias
estéticas
de
João Cabral
de
Melo Neto
são
reunidas
num
instigante
livro
de teoria
e
crítica.
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Depois de publicar a obra poética de João
Cabral de Melo Neto em dois volumes — o primeiro intitulado Serial e antes; o segundo, A educação pela pedra e depois — a
editora Nova Fronteira reúne seus textos de teoria e crítica num volume de 140
páginas vagamente intitulado Prosa.
Pela imprecisão do título o leitor imagina
estar diante de contos, novelas ou o que quer que seja. Trata-se porém de uma
pequena mas densa reunião de artigos sobre poesia e outros temas.
A importância do livro começa pelo fato de
conter o essencial do pensamento estético do maior poeta vivo da língua
portuguesa. Mas não cessa aí: tanto os primeiros ensaios do autor, datados da
década de 40, quanto os mais recentes, trazem explícita e inequivocamente
aquilo que podemos ler na sua poesia.
Se a poesia de Cabral traz na economia e na
precisão da arquitetura poética muito de metalinguagem ou de discussão
implícita do ato criador, a prosa conceitual confirma as hipóteses dos críticos
mais argutos.
A partir deste livro, é possível se falar
da poética de João Cabral de Melo Neto não apenas como resultado da análise da
sua poesia, mas também como edifício crítico-teórico.
São, ao todo, dez textos de JCMN. Um de
crítica de artes plásticas, intitulado "Joan Miró", três sobre temas
culturais diversos e os demais sobre poesia. Destes seis artigos, merecem
destaque: "Poesia e composição", resultante da conferência
pronunciada na Biblioteca de São Paulo, em 1952; "Da função moderna da
poesia", comunicação ao Congresso de Poesia de São Paulo, em 1954; além do
discurso de "Agradecimento pelo Prêmio Neustadt", conferido pela
primeira vez a um escritor de língua portuguesa, em 1992.
Questões essenciais da modernidade são
pensadas pelo criador; visando, talvez, atenuar o impasse criado pela
incomunicabilidade do poeta moderno. Tais reflexões nos remetem aos atuais
debates sobre a pós-modernidade, marcados, de um lado, pelo reconhecimento
pacífico da sua natureza autônoma e, do outro lado, pela recusa da existência
de uma fratura entre modernidade e pós-modernidade.
As grandes manifestações ou estilos de
época alcançam o ápice, simultaneamente, ao processo de hipóstase dos seus
traços radicais, surgindo então um novo maneirismo. Daí a indagação colocada
como passo metódico: o que se chama de pós-modernidade seria um maneirismo da
modernidade?
Teóricos e personagens da modernidade, como
Haroldo de Campos, por exemplo, só aceitariam a idéia de pós-modernidade,
admitindo Mallarmé como pós-moderno, em oposição à modernidade de Baudelaire.
Mas, como estas discussões extrapolam o
texto de Cabral, voltemos ao ponto de partida. Comparando, implicitamente, a
estética moderna com a estética do Renascimento, JCMN admite que o poeta
moderno cria sua mitologia, sua linguagem pessoal e suas leis de composição.
Lembremos que o valor dos poetas clássicos
reside na identificação do seu trabalho com os grandes modelos, enquanto o
poeta moderno é avaliado pela originalidade. "Sua autenticidade será
reconhecida na medida em que não se identifique com nenhuma expressão já
conhecida. Não é preciso lembrar que, para atingir essa expressão pessoal,
todos os direitos lhe são concedidos de boa vontade", acrescenta Cabral.
Vemos então que os pressupostos e
concessões da modernidade forçam a incomunicabilidade, transformando as
relações entre o escritor e o público num fértil diálogo de surdos. Os gestos e
intenções de entendimento contam mais que as palavras. As elucubrações
resultantes de estímulos vagos e plurívocos substituem a certeza do
entendimento recíproco.
No texto intitulado "Da função moderna
da poesia", JCMN constata que o poeta moderno "sacrifica ao bem da
expressão a intenção de se comunicar. Por sua vez, o bem da expressão já não
precisa ser ratificado pela possibilidade de comunicação. Escrever deixou de
ser para tal poeta atividade transitiva de dizer determinadas coisas a
determinadas classes de pessoas; escrever é agora atividade intransitiva".
Penso que, deste modo, Cabral identifica na
escrita moderna uma retomada da histeria romântica em que o objetivo maior não
é dialogar com o outro, mas dialogar com o seu próprio ego, "dar-se em
espetáculo". Quando este indivíduo diz alguma coisa, não o faz para
alguém, determinado, mas quem puder e estiver interessado em entender.
"O alvo desse caçador não é o animal
que ele vê passar correndo", ressalva João Cabral de Melo Neto: "Ele
atira a flecha de seu poema sem direção definida, com a obscura esperança de
que uma caça qualquer aconteça achar-se na sua trajetória."
Mas os pontos de discussão levantados pelo
poeta não são apenas estes. Sua escrita severina traz o vigor e a fecundidade
de terra seca que se amplia em vegetação a partir da primeira chuva. Cada
passagem dos seus textos pode ser discutida exaustivamente, gerando reflexões
já presentes na semente da palavra estrita (quando bem escrita).
Em outra ocasião, voltares a este volume da
obra de João Cabral de Melo Neto, singelamente intitulado Prosa; menos pelo interesse de resenhá-lo e mais pela certeza de
que a sua discussão propicia a oportunidade de rever pressupostos críticos e
teóticos indispensáveis ao diálogo com os interlocutores de qualquer leitura crítica.
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Cabral e a estética da
modernidade. Artigo crítico sobre o livro
Prosa, de João Cabral de Melo Neto. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 24 ago. 98, p. 7.