Das amenidades acadêmicas
O
volume intitulado Alegres e tristes é
um livro impar na bibliografia do seu autor, o pesquisador Renato Berbert de
Castro. Trata-se de uma amena reunião de crônicas bem-humoradas, todas
publicadas na imprensa baiana, compreendendo o período em que colaborou, com
certa freqüência, com o jornal A TARDE.
Com
pouco mais de cem páginas e impresso em formato grande (21 por 29 cm), o livro
teve a tiragem de apenas vinte exemplares, cada um com o nome impresso do
leitor-destinatário. Este requintado hábito de produzir edições raras, fora do
comércio, de certo modo reflete a natureza elitista da leitura. Numa cidade
onde mais de oitenta por cento da população não costuma ler, as edições
tornam-se cada vez menores. Alguns escritores, chegam ao exagero de produzir
livros como se vivessem na Europa feudal, onde poucos e raros exemplares de
determinadas obras estavam dispersos pelas cortes mais ilustradas.
O
poeta Godofredo Filho foi um ilustre cultor deste hábito. Alguns dos seus
livros de poesia tiveram impressos não mais de vinte exemplares. Seguindo este
exemplo, por ocasião das homenagem prestadas pela Academia de Letras da Bahia,
no primeiro ano da morte do Sonetista do Vinho, foi feita uma edição de quinze
exemplares do Cemitério Marinho — o
original de Paul Valéry e a tradução-recriação de Godofredo.
Nos
últimos anos de atividade, antes que a doença o prendesse ao leito, Godofredo
percorreu algumas gráficas, ao lado de Carlos Cunha, para tirar uma edição do
encontro do seu texto com o de Valéry. Como não chegou a realizar o intento,
sua vontade foi satisfeita postumamente por um admirador da sua poesia.
Os exemplares foram
doados à Academia por um aprendiz de artes gráficas que, no mês de abril de
1994, imprimiu um a um os livros, para distribuição entre membros mais antigos
da tradicional confraria das letras.
É
deste círculo fechado de edições que participa o livro Alegres e tristes, de Renato Berbert de Castro. Não obstante o
recato da publicação, seu conteúdo é do mais expontâneo bem humor.
Pondo as mãos em um dos
exemplares, num destes dias em que estava atarefado, até não poder mais, dei
uma olhadinha, por mera curiosidade. Antes de iniciar o trabalho que me
esperava, li a primeira crônica e fui indo em frente. Ao dar por mim, vi que as
horas tinham-se passado e que esqueci das obrigações. Só não fiquei aborrecido
com o involuntário transtorno provocado pelo livro do bem comportado
pesquisador Renato Berbert de Castro, porque as suas crônicas (nada
comportadas) têm o dom de por o leitor em estado de graça; valendo a pena
deixar um dever sem cumprir e desfrutar do prazer da leitura.
Lembrava
de duas ou três crônicas de Renato, mas a imagem séria do pesquisador, admirado
e respeitado, me impedia de ver o bem humorado cronista. Não é que um seja
incompatível com o outro, mas a verdade é que eu só via Renato Berbert de
Castro como pesquisador rigoroso. Como estudioso atento a minúcias.
O cronista engraçado da
família sempre foi o José Augusto, com situações absurdas e impensáveis. Tanto
as suas crônicas, depois reunidas em livros devorados por centenas de leitores
fiéis, quanto os seus comentários de cinema, abandonam o objeto inicial para
enveredar por um amontado de coisas divertidas.
Vejo agora que o
circunspecto dr. Renato Berbert de Castro tem o mesmo jeitão natural e simples
de contar uma história. Com uma diferença: seu espírito refinado dá a cada
episódio uma nota de poesia que algumas vezes lembra as crônicas de um
Drummond, por exemplo.
A série episódios do
livro perseguindo o protagonista Gabriel é imperdível. Tem o bom humor de um
Luís Fernando Veríssimo. De quebra, o discurso de saudação a Cid Teixeira na
Academia de Letras da Bahia, incluído entre as crônicas, é um monumento de bom
humor, informalidade e elegância. Lembrei-me de uma outra obra de igual
originalidade: o discurso de posse de José Cândido de Carvalho na Academia
Brasileira. Bem agiu o autor, ao incluir um texto presumivelmente de natureza
solene e acadêmica, em meio aos seus divertimentos.
Isto mostra que as
sisudas sessões da Academia podem, sem perda da dignidade da instituição, ser
momentos de convivência prazerosa. Mas para esta transformação, é preciso que a
experiência e o bom senso estejam aliados ao gosto da boa prosa.
Envolvido pelo prazer e
pelos instantes de descontração do livro Alegres
e tristes, descuidei de observar que o espaço desta coluna não se
caracteriza pela conversa livre, mas pela leitura crítica.
Agora é tarde. O que
escrevi aqui foi uma conversa que não tive com o escritor e amigo Renato
Berbert de Castro.
Mas, convém dizer,
fechando a conversa, que este é um livro que merece uma edição futura bem mais
ampla, para que muitos tenham a alegria que tive. A alegria de uma leitura
proveitosa e divertida.
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Das amenidades
acadêmicas. Artigo crítico sobre o livro Alegres
e tristes, de Renato Berbert de Castro. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 18 ago. 97, p. 7.
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