Romance francês
A vida melancólica e sem horizontes de um
professor de língua e literatura francesas num colégio de Paris é agitada por
acontecimentos insólitos e excitantes.
Da
monótona rotina de professor, André Jefferson salta para o mundo do crime. E de
romance de crítica social, A noite do
professor (Cia das Letras) reescreve-se como romance policial.
O
autor da façanha é o escritor Jean-Pierre Gattégno, ele próprio formado em
letras, professor de língua e literatura no Liceu Jules Ziegfried, de Paris. A
semelhança do escritor com o protagonista não termina aí: ambos são filhos de
emigrantes. Gattégno, nascido no sul da França em 1944, é descendente de pai
turco e mãe grega. André Jefferson, o seu personagem central, é filho de uma
egípcia com um diplomata inglês.
Mais
de cem páginas do romance põem-nos em contato com o sistema de ensino na velha
França, outras noventa ou cem inserem ingredientes de suspense e trama
policialesca que constituem o eixo narrativo da obra. São estas poucas páginas
de ação que tornam o romance ágil e agradável ao leitor comum, fazendo com que
o ritmo da obra esteja submetido à mais densa dinâmica.
Gattégno,
embora professor de literatura, não procura ser erudito no seu romance. Ele
quer apenas escrever um livro capaz de agradar ao leitor, sem se preocupar com
o valor literário da obra. Esta preocupação, quase sempre, transforma o produto
num ensaio pedagógico, distante do encanto que a ficção proporciona. É por isso
que o adágio ironiza: Literatura, quem sabe faz, quem não sabe ensina.
O
escritor preocupa-se apenas em produzir um texto ágil e dinâmico, o seu valor
literário ou a sua condição de mero folhetim popular são conseqüências. Assim é
que o livro consegue dosar com naturalidade estes dois elementos.
* * *
Creio
que a literatura deste fim de século vem dando uma guinada semelhante àquela
experimentada pela idade média, refiro-me ao século XV, e mais recentemente
pelo século XIX, com o advento do romantismo, que, em alguns países, produziu
um texto voltado para a falta de requinte artístico e intelectual do público
burguês. Os chamados estilos de época sempre responderam à realidade social do
momento histórico.
Lembre-se
que os intelectuais portugueses do Renascimento viram a literatura produzida no
século anterior como mera diversão, pois os poetas do fim da idade média
procuravam responder ao interesse de
divertimento dos salões palacianos. A cultura erudita, que animou os séculos
XII e XIII, cedeu lugar à alegre despretensão da cultura popular. Com os homens
do Renascimento veio o horror a tudo aquilo que dizia respeito à espontaneidade
e à ingênua alegria do povo. A modernidade histórica assinalada pelo
renascimento pretendeu substituir o jeito de folgar do povo pelo requinte
espiritual dos homens de saber.
Por
outro lado, para encontrar audiência junto ao público burguês, a literatura do
século XIX abandonou o apuro formal deliberado em favor da aparência
expontânea. Com isso, muitas obras caíram no lugar comum, sem conseguir o
equilíbrio desejado.
Com
o avanço da miséria e a crise educacional que se fazem sentir tanto no Brasil
quanto num país desenvolvido como a França, os artistas empenhados
exclusivamente no virtuosismo da sua técnica terminam recolhidos à conhecida
torre de marfim.
Os
escritores mais preocupados com a resposta do leitor procuram tecer o seu
discurso de fios mistos, onde a preocupação com a responsabilidade estética se
entrecruza com a sedução por tudo aquilo que diverte e agrada à primeira vista.
Não
foi este o ponto de partida de Umberto Eco, ao escrever o seu primeiro romance,
O nome da rosa? não continuou sendo
este o modelo perseguido?
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Assim
como acredito num retorno à espontaneidade por parte da literatura deste fim de
século, creio que é possível uma comparação entre o último romance de Eco, A ilha do dia anterior, e este novo
romance de Gattégno. Ambos tentam a mesma fórmula, com a diferença marcada pela
vasta erudição de Umberto Eco, que condena o seu último romance a se tornar tão
maçante quanto as obras doutrinárias produzidas no barroco com intuitos
artísticos e pedagógicos.
Jean-Pierre
Gattégno constrói seu personagem, ironicamente, como um medíocre professor de
literatura, perdido numa classe disposta a tudo que não seja tomar conhecimento
das suas lições sobre Flaubert.
O
público leitor, não esqueçamos, saiu de classes de literatura e de professores
como aqueles que são mostrados no romance. Escrever para estes ex-alunos requer
uma tática inversa à dos professores. Daí o caráter despretensioso do seu
romance que, ao eleger como eixo temático uma história policial, aproveita para
fazer uma análise crítica do sistema educacional.
Esta
classe de estudantes secundaristas de Paris muito nos lembra os quase doutores
da universidade brasileira. Qualquer pessoa, mesmo que levemente interessada
pelos destinos da educação entre nós, lerá o livro de Gattégno com melancolia,
vendo aí um retrato cruel do nosso tempo.
Ao mesmo tempo que diverte, este
livro inquieta a quem tem sensibilidade para se inquietar. Se por um lado
desperta àqueles que querem estar de olhos abertos, por outro lado embala
preguiçosamente aqueles que querem fazer a sua sesta.
Não
é esta ambivalência que constitui o encanto da arte literária? Se você pensa
assim, gostará de ler A noite do
professor.
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Romance francês. Artigo
crítico sobre o livro A noite do
professor, de Jean-Pierre Gattégno.
Coluna “Leitura Crítica” do jornal A
Tarde, Salvador, 29 dez. 97, p. 7.
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Correspondências para
esta coluna:
R. Alberto Pondé,
147/103
40.280-630, Salvador,
Bahia