sobre a Crítica Literária
A tentativa de manter semanalmente neste espaço
o enfoque crítico de obras recém publicadas tem propiciado a manifestação de
leitores que, em forma de observações escritas, estabelecem um produtivo
diálogo. Algumas vezes, sugerem abordagem de temas ou apresentam
questionamentos. Uma sugestão interessante, agora seguida, acena para a
necessidade de intercalar o exame de obras com discussões em torno desta
atividade. Imagina o leitor que uma reflexão em torno do exercício da crítica
pode dar mais credibilidade ao trabalho, além de dividir com o público
interessado as preocupações e pressupostos que norteiam tais intervenções.
Comecemos
então pelo princípio, fazendo um histórico incompleto da atividade chamada
crítica literária. Esta palavra, em nossa língua, está vinculada aos vocábulos
gregos krínein (julgar), krités, (juiz) e kriticós, (censor de obras escritas). Tendo chegado até nós através
da forma latina, os dicionários registram o substantivo criticus, com o significado de crítico
ou de censor de obras escritas,
conforme usado por Cícero na obra Cartas
familiares. No âmbito desta tradição, o termo criticus se aproximava de gramaticus,
sem que se fizesse distinção entre a análise da obra escrita e a da obra de
arte literária propriamente dita. Observe-se, que ainda hoje, é comum se chamar
de literária a toda obra de erudição escrita, ficando a Literatura sem uma
designação própria. Tal acontece também com a expressão letras que, em muitos países, designa o labor intelectual através
da escrita, ou mesmo, as ciências humanas. Daí as academias de letras reunirem
não somente romancistas, poetas e outros criadores, mas todo escritor de
livros, tratem eles do verdadeiro ou do verossímil. A distinção de Aristóteles
entre a poética e a escrita erudita (como a História, tomada por ele como
exemplo) não foi suficiente para demarcar as fronteiras.
O
crítico, o gramático e o lógico, conforme se depreende de um correr de vistas
por textos filosóficos antigos, medievais e neoclássicos, eram um só estudioso,
versado na “arte de pensar” ou de escrever. Observe-se que o Renascimento e o
Iluminismo deram continuidade a esta correlação. No século XVIII, Condillac
desenvolveu a sua lógica imbricada com a gramática; no início do século XIX,
Degérando publicou Dos signos e da arte
de pensar. Esta mesma identificação era encontrada nas obras de Lock
(1632-1704) e de Leibniz, seu contemporâneo e opositor crítico do empirismo
inglês.
Na
Inglaterra do século XVII é que aparece o moderno vocábulo criticism, forjado para distingir a atividade crítica da pessoa que
faz a crítica – critric.
Usado não somente para
designar a leitura valorativa de obras literárias, o termo crítica foi tomado por Kant para caracterizar a sua análise
filosófica (Crítica da razão prática,
Crítica da razão pura e Crítica do juízo). É possível que o
idealismo kantiano tenha contribuído para destacar o aspecto subjetivo da
crítica; ou para demonstrar que quando o espírito se debruça sobre os objetos
do mundo exterior, projeta sobre eles formas apriorísticas ditadas pela
inteligência do sujeito cognoscente.
As
idéias do filósofo servem de argumento para a crítica literária de natureza
subjetiva, assim como para a posterior fixação, um século depois, da chamada
crítica impressionista.
Convém
destacar que a história da crítica toma como tal todo esforço teórico voltado
para a compreensão e fixação do objeto literário, incluindo aí as famigeradas
poéticas, que se multiplicaram no Renascimento, com a redescoberta de
Aristóteles e do clássicos. Mas, a rigor, muito daquilo que é catalogado como
crítica literária pode ser visto como teoria ou como história da literatura.
Se a atividade crítica
pressupõe a constituição de um cânone,
ou de um conjunto de obras que servem de modelo
e fornecem as regras para o julgamento de novas obras, o
Renascimento instaurou a crítica neoclássica; baseada na autoridade exemplar
dos gregos e latinos.
Na França, a Arte Poética de Boileau serviu de
sustentação para o pensamento estético clássico e de ponto de partida para uma
postura crítica com relação às normas grego-latinas. Se, de um lado, teóricos e
eruditos propunham os modelos antigos como referencial único para a construção
artística, do outro lado, leitores e apreciadores dos escritores contemporâneos
julgavam o novo fazer literário como sendo resultado do progresso científico e
filosófico do homem. Surgia, assim, nas últimas décadas do século XVII, a Querelle des Anciens et des Modernes,
que animou o Iluminismo e ganhou novas dimensões no Romantismo. O pensamento
romântico se sustentou na afirmação de novos valores, não mais baseados nos
clássicos e sim no gosto e na prática dos povos europeus.
A construção de um novo cânone foi uma tarefa que propiciou o
surgimento de uma crítica viva e atuante. Alemãs e ingleses tiveram um
importante papel na afirmação de um
juízo de valores fundado no gosto popular, onde a emoção e a imaginação desencadeada
pela fluidez dos sentimentos ganharam o estatuto de elementos constituintes do
fazer artístico.
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Sobre a crítica
literária. Artigo introdutório sobre o exercício da crítica literária. Coluna
“Leitura Crítica” do jornal A Tarde,
Salvador, 27 set. 97, p. 7.
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