22/11/2015

sobre a crítica

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

sobre a Crítica Literária


            A tentativa de manter semanalmente neste espaço o enfoque crítico de obras recém publicadas tem propiciado a manifestação de leitores que, em forma de observações escritas, estabelecem um produtivo diálogo. Algumas vezes, sugerem abordagem de temas ou apresentam questionamentos. Uma sugestão interessante, agora seguida, acena para a necessidade de intercalar o exame de obras com discussões em torno desta atividade. Imagina o leitor que uma reflexão em torno do exercício da crítica pode dar mais credibilidade ao trabalho, além de dividir com o público interessado as preocupações e pressupostos que norteiam tais intervenções.
            Comecemos então pelo princípio, fazendo um histórico incompleto da atividade chamada crítica literária. Esta palavra, em nossa língua, está vinculada aos vocábulos gregos krínein (julgar), krités, (juiz) e kriticós, (censor de obras escritas). Tendo chegado até nós através da forma latina, os dicionários registram o substantivo criticus, com o significado de crítico ou de censor de obras escritas, conforme usado por Cícero na obra Cartas familiares. No âmbito desta tradição, o termo criticus se aproximava de gramaticus, sem que se fizesse distinção entre a análise da obra escrita e a da obra de arte literária propriamente dita. Observe-se, que ainda hoje, é comum se chamar de literária a toda obra de erudição escrita, ficando a Literatura sem uma designação própria. Tal acontece também com a expressão letras que, em muitos países, designa o labor intelectual através da escrita, ou mesmo, as ciências humanas. Daí as academias de letras reunirem não somente romancistas, poetas e outros criadores, mas todo escritor de livros, tratem eles do verdadeiro ou do verossímil. A distinção de Aristóteles entre a poética e a escrita erudita (como a História, tomada por ele como exemplo) não foi suficiente para demarcar as fronteiras.
            O crítico, o gramático e o lógico, conforme se depreende de um correr de vistas por textos filosóficos antigos, medievais e neoclássicos, eram um só estudioso, versado na “arte de pensar” ou de escrever. Observe-se que o Renascimento e o Iluminismo deram continuidade a esta correlação. No século XVIII, Condillac desenvolveu a sua lógica imbricada com a gramática; no início do século XIX, Degérando publicou Dos signos e da arte de pensar. Esta mesma identificação era encontrada nas obras de Lock (1632-1704) e de Leibniz, seu contemporâneo e opositor crítico do empirismo inglês.
            Na Inglaterra do século XVII é que aparece o moderno vocábulo criticism, forjado para distingir a atividade crítica da pessoa que faz a crítica – critric.
Usado não somente para designar a leitura valorativa de obras literárias, o termo crítica foi tomado por Kant para caracterizar a sua análise filosófica (Crítica da razão prática, Crítica da razão pura e Crítica do juízo). É possível que o idealismo kantiano tenha contribuído para destacar o aspecto subjetivo da crítica; ou para demonstrar que quando o espírito se debruça sobre os objetos do mundo exterior, projeta sobre eles formas apriorísticas ditadas pela inteligência do sujeito cognoscente.
            As idéias do filósofo servem de argumento para a crítica literária de natureza subjetiva, assim como para a posterior fixação, um século depois, da chamada crítica impressionista.
            Convém destacar que a história da crítica toma como tal todo esforço teórico voltado para a compreensão e fixação do objeto literário, incluindo aí as famigeradas poéticas, que se multiplicaram no Renascimento, com a redescoberta de Aristóteles e do clássicos. Mas, a rigor, muito daquilo que é catalogado como crítica literária pode ser visto como teoria ou como história da literatura.
Se a atividade crítica pressupõe a constituição de um cânone, ou de um conjunto de obras que servem de modelo e fornecem as regras para o julgamento de novas obras, o Renascimento instaurou a crítica neoclássica; baseada na autoridade exemplar dos gregos e latinos.
Na França, a Arte Poética de Boileau serviu de sustentação para o pensamento estético clássico e de ponto de partida para uma postura crítica com relação às normas grego-latinas. Se, de um lado, teóricos e eruditos propunham os modelos antigos como referencial único para a construção artística, do outro lado, leitores e apreciadores dos escritores contemporâneos julgavam o novo fazer literário como sendo resultado do progresso científico e filosófico do homem. Surgia, assim, nas últimas décadas do século XVII, a Querelle des Anciens et des Modernes, que animou o Iluminismo e ganhou novas dimensões no Romantismo. O pensamento romântico se sustentou na afirmação de novos valores, não mais baseados nos clássicos e sim no gosto e na prática dos povos europeus.
A construção de um novo cânone foi uma tarefa que propiciou o surgimento de uma crítica viva e atuante. Alemãs e ingleses tiveram um importante papel  na afirmação de um juízo de valores fundado no gosto popular, onde a emoção e a imaginação desencadeada pela fluidez dos sentimentos ganharam o estatuto de elementos constituintes do fazer artístico.
           
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Sobre a crítica literária. Artigo introdutório sobre o exercício da crítica literária. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 set. 97, p. 7.

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