22/11/2015

pensamento, linguagem

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Pensamento, linguagem e informática

            Ao enfrentar o problema das relações entre linguagem e pensamento como atividades básicas do cérebro, Israel Rosenfield não prescinde das investigações atualmente empreendidas na área da informática, como meio de simulação das experiências com o cérebro humano. Se no passado os neurologistas se valiam da intervenção direta sobre os neurônios como forma de testar suas hipóteses, o avanço da ética retraiu tais experiências. Como alternativa viável e sedutora, os modelos eletrônicos passaram a despertar a atenção dos estudiosos da saúde mental e da estrutura cerebral.
            Mas uma pergunta, ainda irrespondida de modo circunstanciado, perturba os especialistas: o conhecimento adquirido pelo homem através da percepção e da reelaboração psíquica está guardado no cérebro como os dados de um arquivo podem ser estocados nos dispositivos de memória permanente de um computador?
            Tradicionalmente, o cérebro humano era visto como um reservatório, onde as experiências e pensamentos eram armazenados em locais específicos, ou em determinados grupos de neurônios. Freud, antes de reunir a base teórica e prática responsável pela criação da psicanálise, exerceu clinicamente a neurologia e empreendeu, neste campo, pesquisas inovadoras, marcadas tanto pelo rigor quanto pela ousadia capaz de gerar polêmica. Em 1895, elaborou o projeto de uma psicologia para neurologistas, contendo hipóteses que chegaram a ser classificadas como fantasiosas. Sua descrição do aparelho psíquico antecipava o sistema dos futuros cérebros-eletrônicos, ou dos modernos computadores. Neste texto, “Projeto para uma psicologia científica” ou “Projeto de uma psicologia para neurologistas”, Freud retoma a tradição acadêmica para depois ir adiante e apresentar a tentativa inicial de uma nova compreensão da vida psíquica. Ao classificar os neurônios, como permeáveis e impermeáveis, reservou aos primeiros a tarefa de mediar a passagem de energia e, conseqüentemente, de informações, e aos segundos o papel de centros retentivos. É esta segunda classe de neurônios que possibilita a constituição da memória.
            Mas, desde esta época, uma questão surgia: uma vez armazenados, estes dados permanecem estáveis e inalteráveis, ou podem ser dinamizados e conseqüentemente recombinados com outros dados e outras informações?
Este mesmo problema que se apresentava a Freud, também preocupa Israel Rosenfield, que vê o cérebro não como um reservatório, mas como um gerador criativo da memória.
            O autor, graduado em medicina pela Universidade de Nova York e doutor em Princeton, pretende com os estudos expostos neste livro e anteriormente apresentados em aulas e conferências em várias universidades norte-americanas, rever e acrescentar algo de novo à descoberta de Paul Broca.
Em 1861, Broca percebeu que a perda da capacidade da fala podia ser atribuída a uma pequena lesão do lado esquerdo do cérebro. Em seguida, descobriram-se outros centros da linguagem que provavelmente exerciam diferentes tarefas lingüísticas, bem como foram identificadas outras áreas do cérebro que controlavam os movimentos do corpo em partes como as mãos, os dedos, a língua etc.
            As investigações de Israel Rosenfield querem negar o ponto de vista dos adeptos da localização das funções e traços mnemônicos permanentes. Por outro lado, este pesquisador não abandona a velha lição segundo a qual o cérebro é uma estrutura biológica. E acrescenta: “Somente em termos de princípios biológicos é que seremos capazes de entendê-lo. É tarefa deste livro (...) determinar a importância desses princípios.”
            O livro de Israel Rosenfield, A Invenção da Memória: Uma Nova Visão do Cérebro, contém um mosaico de questões bastante amplas e capazes de despertar interesse tanto dos estudiosos das estruturas mentais quanto dos especialistas das formas de pensamento e de linguagem.
            Mas, como observação de leitura, convém dizer que o trabalho de Israel Rosenfield arrola uma série de estudos do século passado e dos últimos anos sem dar a eles uma organicidade capaz de tornar seu livro uma contribuição por si mesma importante. Falta ao texto amarrar as idéias anunciadas, bem como as possíveis hipóteses e conclusões do autor, de modo convincente e sistemático, para que Rosenfield dê a contribuição que os apresentadores do livro anunciam.
            Como uma resenha especializada, ou como um almanaque de idéias científicas, o trabalho é lido com interesse. No entanto, como estudo acadêmico, ou como relato de pesquisa capaz de servir de patamar para novas investigações, o livro deve ser visto com alguma reserva, mesmo pelo leitor culto não especializado.

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Pensamento, linguagem e informática. Artigo crítico sobre o livro A invenção da memória: uma nova visão do cérebro, de Israel Rosenfield. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 4 ago. 97, p. 7.

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