23/11/2015

comparatista

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Um comparatista brasileiro

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Leitor privilegiado
por fina sensibilidade
e reconhecida erudição,
o professor Cláudio Veiga
contempla
os seus milhares de leitores
com o livro
Um brasilianista francês:
Philéas Lebesgue
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            No início dos anos cinquenta, um jovem professor baiano iniciava a publicações de uma obra que viria a se caracterizar pelo caráter comparativo. Especialista em língua e civilização francesas, Cláudio Veiga procurou unir a transmissão dos seus conhecimentos sobre a cultura da França à observação de um movimento de mão dupla: a recepção das conquistas francesas no Brasil e a tímida presença da cultura brasileira na capital intelectual do mundo.
            A Comparação e As Províncias, de 1957, indicaria o redirecionamento dos estudos do autor, que se consolidaram com a plaquete Camões e Ronsard, de 1972, e especialmente com Aproximações: estudos de literatura comparada. A coletânea Aproximações, reunindo ensaios da década de 70, é a obra que colocaria o nome do professor Cláudio Veiga entre os poucos comparatistas brasileiros. Convém lembrar que, na época, o inconstante carrossel das teses e congressos universitários ainda não havia transformado a literatura comparada em moeda da moda. Somente os eruditos ousavam reunir a solidez do conhecimento de duas literaturas para projetar uma compreensão globalizante.
            Em seguida, Cláudio Veiga ampliou ainda mais o alcance das suas investigações, saindo do âmbito da literatura e da língua para a observação de outros fatos motivadores, ou resultantes, de interações culturais. O estudo sobre Caetano Moura, Um brasileiro soldado de Napoleão, publicado pela Ática, em 1979, é um marco desta diástole.
            Chega assim o autor, precedido por confortável experiência, ao seu recém-lançado livro, Um brasilianista francês — Philéas Lebesgue, editado pela Topbooks, em co-edição com a Fundação Cultural do Estado.

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            Convém abrir um parêntese para chamar atenção do leitor para um fato positivo na política editorial do Estado. Maria de Lourdes Silva, da diretoria de Literatura da Fundação, vem promovendo alguns contratos de co-edição com editoras de circulação nacional. Com isto, procura-se resolver um dos problemas do livro na Bahia.
Mais de uma vez, neste espaço, chamou-se atenção para o fato das obras da coleção “As Letras das Bahia”, impressas pela EGBA, não chegarem ao público leitor, por falta de distribuição nacional ou, mesmo, regional. Como publicar quer dizer imprimir e comercializar (tornar pública) uma obra, a rigor, quase todos os livros produzidos na Bahia continuam não-publicados. Que a experiência de co-edições como esta e outras — a exemplo do livro de Armando Avena O afilhado da Gabo, pela Relume Dumará — se estenda a todos os livros que interessem, simultaneamente, ao leitor brasileiro e aos objetivos de mercado de uma editora de circulação nacional.

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            Enquadrando-se nesta categoria, o estudo do professor Cláudio Veiga desperta o interesse do leitor, primeiro, por tratar de um tema cada vez mais presente nas discussões literárias: as relações multiculturais. Depois, pelo paciente trabalho de investigação, trazendo à tona fatos confinados a correspondências e documentos guardados em arquivos brasileiros e franceses.
            Philéas Lebesgue foi um pequeno agricultor e estudioso do interior da França que, do início do século até os anos cinquenta, quando morreu, quase aos noventa anos, se dedicou ao estudo de línguas e culturas consideradas exóticas pelo impávido etnocentrismo francês. Dividia seu tempo entre o preparo da terra e a atividade intelectual, incluindo desde a poesia e a prosa até a tradução de obras estrangeiras; trabalho que fazia à noite, das 22 horas até a madrugada.
            Embora vivendo no campo, Lebesgue manteve-se atento às literaturas portuguesa e brasileira, dentre outras de difícil recepção na Europa. Sua colaboração com o brasilianista francês Manoel Gahisto, especialista em literaturas latino-americanas, resultou na circulação de obras e autores brasileiros na França.
           Como resultado dos seus estudos, Lebesgue passou a assinar a coluna “Lettres portugaises” no Mercure de France, onde muitas vezes discutiu obras de autores brasileiros. De um lado, a atividade crítica e, do outro, a atividade de tradutor levaram-no a uma aproximação com intelectuais brasileiros, a exemplo de Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Ribeiro Couto, Coelho Neto, Xavier Marques, Afrânio Peixoto, Almáquio Diniz e outros.
            O livro de Cláudio Veiga vai além de uma biografia intelectual de Philéas Lebesgue, inscrevendo-se como uma investigação histórica do lugar ocupado pela França no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, com ênfase nos reflexos da belle époque francesa, projetados sobre a vida intelectual brasileira.
            O fim do século que manteve o prestígio do realismo francês em quase todo o mundo e adicionou a este o interesse pela poesia dos simbolistas, atraiu para a França expressivos nomes da intelectualidade. Anatole France, Mallarmé, Verlaine, Rimbaud fizeram de Paris o sonho de portugueses e brasileiros como Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Olavo Bilac, Eduardo Prado, Afonso Arinos e Phetion de Vilar.
            Além de todo este universo, o livro de Cláudio Veiga traz uma segunda parte reunindo ensaios já publicados em revistas brasileiras e do exterior. Nestes textos, o autor examina desde a presença do Padre Antonio Vieira na França de Pascal, Descartes, Corneille e tantos outros contemporâneos, até os bastidores políticos e culturais da visita de Anatole France ao Brasil.
            Um livro de largo fôlego, portanto. Capaz de interessar a uma variada faixa de leitores.

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Um comparatista brasileiro. Artigo crítico sobre o livro Um brasilianista francês – Philéas Lebesgue, de Cláudio Veiga. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 25 mai. 98, p. 7.