Um comparatista brasileiro
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Leitor privilegiado
por fina sensibilidade
e reconhecida erudição,
o professor Cláudio
Veiga
contempla
os seus milhares de
leitores
com o livro
Um brasilianista francês:
Philéas Lebesgue
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No
início dos anos cinquenta, um jovem professor baiano iniciava a publicações de
uma obra que viria a se caracterizar pelo caráter comparativo. Especialista em
língua e civilização francesas, Cláudio Veiga procurou unir a transmissão dos
seus conhecimentos sobre a cultura da França à observação de um movimento de
mão dupla: a recepção das conquistas francesas no Brasil e a tímida presença da
cultura brasileira na capital intelectual do mundo.
A Comparação e As Províncias, de 1957,
indicaria o redirecionamento dos estudos do autor, que se consolidaram com a
plaquete Camões e Ronsard, de 1972, e
especialmente com Aproximações: estudos
de literatura comparada. A coletânea Aproximações,
reunindo ensaios da década de 70, é a obra que colocaria o nome do professor
Cláudio Veiga entre os poucos comparatistas brasileiros. Convém lembrar que, na
época, o inconstante carrossel das teses e congressos universitários ainda não
havia transformado a literatura comparada em moeda da moda. Somente os eruditos
ousavam reunir a solidez do conhecimento de duas literaturas para projetar uma
compreensão globalizante.
Em
seguida, Cláudio Veiga ampliou ainda mais o alcance das suas investigações,
saindo do âmbito da literatura e da língua para a observação de outros fatos
motivadores, ou resultantes, de interações culturais. O estudo sobre Caetano
Moura, Um brasileiro soldado de Napoleão,
publicado pela Ática, em 1979, é um marco desta diástole.
Chega
assim o autor, precedido por confortável experiência, ao seu recém-lançado
livro, Um brasilianista francês — Philéas
Lebesgue, editado pela Topbooks, em co-edição com a Fundação Cultural do
Estado.
* * *
Convém
abrir um parêntese para chamar atenção do leitor para um fato positivo na
política editorial do Estado. Maria de Lourdes Silva, da diretoria de
Literatura da Fundação, vem promovendo alguns contratos de co-edição com
editoras de circulação nacional. Com isto, procura-se resolver um dos problemas
do livro na Bahia.
Mais de uma vez, neste
espaço, chamou-se atenção para o fato das obras da coleção “As Letras das
Bahia”, impressas pela EGBA, não chegarem ao público leitor, por falta de
distribuição nacional ou, mesmo, regional. Como publicar quer dizer imprimir e comercializar (tornar pública) uma
obra, a rigor, quase todos os livros produzidos na Bahia continuam
não-publicados. Que a experiência de co-edições como esta e outras — a exemplo
do livro de Armando Avena O afilhado da
Gabo, pela Relume Dumará — se estenda a todos os livros que interessem,
simultaneamente, ao leitor brasileiro e aos objetivos de mercado de uma editora
de circulação nacional.
* * *
Enquadrando-se
nesta categoria, o estudo do professor Cláudio Veiga desperta o interesse do
leitor, primeiro, por tratar de um tema cada vez mais presente nas discussões
literárias: as relações multiculturais. Depois, pelo paciente trabalho de
investigação, trazendo à tona fatos confinados a correspondências e documentos
guardados em arquivos brasileiros e franceses.
Philéas
Lebesgue foi um pequeno agricultor e estudioso do interior da França que, do
início do século até os anos cinquenta, quando morreu, quase aos noventa anos,
se dedicou ao estudo de línguas e culturas consideradas exóticas pelo impávido
etnocentrismo francês. Dividia seu tempo entre o preparo da terra e a atividade
intelectual, incluindo desde a poesia e a prosa até a tradução de obras
estrangeiras; trabalho que fazia à noite, das 22 horas até a madrugada.
Embora
vivendo no campo, Lebesgue manteve-se atento às literaturas portuguesa e
brasileira, dentre outras de difícil recepção na Europa. Sua colaboração com o
brasilianista francês Manoel Gahisto, especialista em literaturas
latino-americanas, resultou na circulação de obras e autores brasileiros na
França.
Como
resultado dos seus estudos, Lebesgue passou a assinar a coluna “Lettres
portugaises” no Mercure de France,
onde muitas vezes discutiu obras de autores brasileiros. De um lado, a
atividade crítica e, do outro, a atividade de tradutor levaram-no a uma
aproximação com intelectuais brasileiros, a exemplo de Manuel Bandeira,
Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Ribeiro Couto, Coelho Neto, Xavier Marques,
Afrânio Peixoto, Almáquio Diniz e outros.
O
livro de Cláudio Veiga vai além de uma biografia intelectual de Philéas
Lebesgue, inscrevendo-se como uma investigação histórica do lugar ocupado pela
França no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, com ênfase
nos reflexos da belle époque
francesa, projetados sobre a vida intelectual brasileira.
O
fim do século que manteve o prestígio do realismo francês em quase todo o mundo
e adicionou a este o interesse pela poesia dos simbolistas, atraiu para a
França expressivos nomes da intelectualidade. Anatole France, Mallarmé,
Verlaine, Rimbaud fizeram de Paris o sonho de portugueses e brasileiros como
Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Olavo Bilac, Eduardo Prado, Afonso Arinos e
Phetion de Vilar.
Além
de todo este universo, o livro de Cláudio Veiga traz uma segunda parte reunindo
ensaios já publicados em revistas brasileiras e do exterior. Nestes textos, o
autor examina desde a presença do Padre Antonio Vieira na França de Pascal,
Descartes, Corneille e tantos outros contemporâneos, até os bastidores
políticos e culturais da visita de Anatole France ao Brasil.
Um
livro de largo fôlego, portanto. Capaz de interessar a uma variada faixa de
leitores.
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Um comparatista
brasileiro. Artigo crítico sobre o livro
Um brasilianista francês – Philéas Lebesgue, de Cláudio Veiga. Coluna
“Leitura Crítica” do jornal A Tarde,
Salvador, 25 mai. 98, p. 7.