Uma saga nos pampas
História
e ficção são mescladas desigualmente no romance Os Senhores do Século, de Luiz Antonio de Assis Brasil. Com
predomínio da segunda, estamos diante de um romance de época centrado nos
acontecimentos que marcaram o início do século, desde as aventuras guerreiras
dos pampas, os fatos que conduziram Vargas ao poder local e nacional, até o
golpe militar de 64.
Uma
primeira ditadura levou um gaúcho, de forma ilegítima, à Presidência da
República. Uma segunda ditadura, bem mais longa, retirou um outro gaúcho,
legitimamente investido do poder, da chefia da nação.
As
peripécias giram em torno de personagens do Rio Grande do Sul e o romance
encerra a trilogia Um Castelo nos Pampas,
da qual foram publicados Perversas
Famílias e Pedra da Memória.
* * *
Assis
Brasil é um romancista que já tem o seu espaço conquistado na literatura
brasileira. (Não confundi-lo com o outro Assis Brasil, o romancista de uma
tetralogia piauiense e também ensaísta com vasta obra.)
Professor
de Filosofia do Direito e Introdução à Ciência do Direito da PUC do Rio Grande
do Sul, Luiz Antonio de Assis Brasil fez pós-graduação em Letras, dedicando-se
também ao ensino de Criação Literária na mesma Universidade. Autor de obras
como Um quarto de légua em quadro (4ª
edição), A prole do corvo (3ª
edição), Bacia das almas (2ª edição),
Manhã transfigurada (3ª edição),
dentre outras, empreendeu um estudo biográfico sobre Qorpo-Santo, o estranho
escritor que escandalizou a Porto Alegre do século XIX.
A
partir das anotações da sua pesquisa sobre Qorpo-Santo, Assis Brasil escreveu,
entre fevereiro de 1985 e junho de 1987, o romance Cães da Província, defendido como tese de doutorado em Letras.
A
densa pesquisa e sua transmutação numa outra linguagem, a linguagem da ficção,
garantiram a aprovação do trabalho como tese acadêmica deste singular criador e
professor de Criação Literária.
Observe-se,
desde já, que alguns romances de Assis Brasil são modelos exemplares de criação
literária, nos quais o trabalho rigoroso e a técnica do fazer são percebidos
pelo leitor como um ofício transmitido.
Invenção
e técnica, ou engenho e arte, conforme a designação renascentista, constituem o
ponto norteador deste romancista. Num país onde proliferam e fazem sucesso
invejável autores como Paulo Coelho e outros que trocam o saber construir a
obra pela mística de massa, um autor capaz de compreender e tornar
compreensível o processo de criação literária merece todo respeito, pela
condição exemplar.
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Dois
focos narrativos que se sucedem e entrelaçam constituem o romance Os Senhores do Século. O primeiro foco,
com narrativa em terceira pessoa, abre e fecha o livro. A partir deste ângulo é
que tomamos conhecimento dos fatos que conturbaram a vida do extremo Sul e de
todo o País, tendo como protagonista o Doutor Olímpio, estancieiro e líder de
movimentos intelectuais e de ação armada que contribuíram para a conquista do
poder por Getúlio Vargas.
O
outro foco narrativo, em primeira pessoa, permite que o personagem Páris, neto
do Doutor Olímpio, relate, aos militares responsáveis pelo seu interrogatório,
na prisão, suas andanças que terminam com a deposição do Governo João Goulart.
O entrelaçamento de focos narrativos corresponde também a dois cortes de tempos
diversos da ação romanesca. Um tempo que se encerra com o estabelecimento da
ditadura Vargas; outro que termina com a ditadura militar de 64.
A
habilidade de Assis Brasil em construir o seu romance assegura uma leitura
fluente e capaz de motivar o leitor. Narração e diálogos são montados de forma
engenhosa, dispensando as monótonas descrições ou digressões conceituais que
prejudicam o ritmo de algumas narrativas.
Bem
verdade que, às vezes, um autor teima em inserir no discurso ficcional a sua
percepção das coisas e a sua visão do mundo, transmitindo aos personagens as
heranças do criador. Mas a habilidade e a técnica do escritor servem para
inserir tais elementos no corpo da obra, sem que dele se dissociem. Assim, nada
é estranho ao texto literário, tudo é possível, desde que convertido em objeto
literário.
O
que parece ainda pouco convincente no livro é a incursão pelo realismo
fantástico, lembrando o insólito de algumas passagens de García Marquez em Cem Anos de Solidão. Numa narrativa que
obedece de modo impecável à lógica da realidade social, a inserção
aparentemente casual de uma outra lógica, ou de uma outra configuração da
realidade, segundo o fantástico universo da fantasia, não consegue conduzir o
leitor a estes umbrais.
Enquanto
o narrador passeia por um universo fantástico, o leitor teima em espreitar,
daqui mesmo, desta realidadezinha cotidiana, suas tentativas de abrir novos espaços
de percepção.
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Uma saga nos pampas.
Artigo crítico sobre o livro Os senhores
do século, de Luiz Antonio de Assis Brasil. Coluna “Leitura Crítica” do
jornal A Tarde, Salvador, 11 ago. 97,
p. 7.
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