23/11/2015

inventor de vidas

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas


Um inventor de vidas e lugares

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No livro
Jaú dos bois,
Aleilton Fonseca
reúne segredos
do contador
de histórias
e artifícios
da boa escrita.
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               Formas literárias curtas, como o poema e o conto, são frequentemente escolhidas por parecerem mais fáceis de se escrever. Na verdade, elas são menos "trabalhosas". Um poema de catorze versos ou um conto de uma ou duas páginas exigem um volume de trabalho menor do que um romance de duzentas páginas. Mas isto não quer dizer que as formas menores sejam menos fáceis de executar.

               Compare estas atividades com o exercício de pintar uma paisagem na superfície de uma porta e de pintar a mesma paisagem numa caixa de fósforos. A primeira exigiria mais "trabalho", mais tinta, mais esforço físico, sem ser, necessariamente, mais difícil do que o segunda tarefa. Neste caso, o trabalho só poderia ser medido comparando dois valores diversos: quantidade e qualidade.


               Quem imagina que o trabalho de um neurocirurgião, ou de um ourives, é mais fácil do que o trabalho de um carpinteiro, ou de um concreteiro de vigas, também preferirá escrever contos e poemas em vez de romances. É o que ocorre com frequência; centenas de concreteiros publicam seus livros usando as formas que lhes parecem menos trabalhosas.
Poucos são os que escolhem as formas curtas por inequívoco pendor pelo trabalho concentrado, denso, preciso e exigente. Entre estes estão os mestres do conto e do poema de ontem de hoje. Guimarães Rosa trabalhou as narrativas de Sagarana por cerca de vinte anos. Bilac exigia para o verso a construção do ourives. Pessoa rescreveu os seus poemas por trinta anos a fio, a procura de uma forma menos transitória. Torga morreu com mais de oitenta anos rescrevendo os contos da juventude, retocando aqui, tirando ali, acrescentando adiante.

            Mas há também escritores estreantes que começam com qualidade, tomando por base a análise da experiência dos autores que lhes antecederam. Eles lêem, relêem, deslêem aqueles que vieram primeiro, tirando lições e vencendo etapas.

É o caso de Aleilton Fonseca, poeta e ensaísta que faz sua primeira incursão pelo conto em Jaú dos bois. A obra foi vencedora do Prêmio de Literatura 1996 da Fundação Cultural do Estado da Bahia e publicada em co-edição com a Relume Dumará.

Trata-se de um livro pequeno; são apenas 52 páginas compreendendo cinco narrativas. Quatro delas, "O avô e o rio", "O sorriso de estrela", "O casal vizinho" e a última, que dá título ao volume, estão ligadas por uma apelo unitário: a marca telúrica. Pessoas, costumes e paisagens da terra — de uma região que pode ser a do autor como pode ser também a terra inventada pelo desejo de qualquer leitor — compõem o suporte destas quatro histórias. Embora se passem em lugares diversos, a atmosfera é a mesma; o clima ameno de sonho e imaginação perpetuados na memória. Já o conto "Amigos, amigos", por ordem de inserção, o quarto do livro, é uma história transcorrida mais no interior da alma e menos naquele interior do país que todos estamos perdendo; e resgatando na ficção.

            A unidade de espaço imaginário criada pelas quatro narrativas do livro ambientadas no interior estabelece uma cumplicidade entre leitor e narrador. Isto faz com que os novos acontecimentos, que nos aguardam a partir da leitura da primeira história, tenham, ao mesmo tempo, sabor de reencontro e de surpresa.

            Os personagens dos contos de Jaú dos bois são gente de papel, com sangue de tinta e ossatura imaginária, gente saída da ficção que mais parece feita de carne e osso, porque fala, anda e sente com verdadeira naturalidade. Perplexo, o leitor descobre que as figuras que saltam das palavras escritas nestes contos de Aleilton Fonseca têm alma. Seus sentimentos e emoções ultrapassam o espaço ficcional e invadem o espaço civil do leitor, derramando uma mesma nuvem de humanidade e solidária maneira de construir a vida.

            O contraditório disso tudo é que entramos no mundo ficcional destas histórias, conduzidos pela força de verdade e existência do fabulado, ao mesmo tempo em que somos tocados pela marca indelével do trabalho literário. De um lado vivemos a vida dos personagens e, do outro, percebemos o apuro da construção, o vigiar constante da trama, do texto, onde cada palavra é pesada, medida e lançada ao espaço da ficção plena de sentido.
            A prosa de Aleilton não se esparrama pelo papel em branco como planta do mato; ela é cuidada, cultivada; cada ramo segue a direção pretendida pelo jardineiro; cada folha nasce no lugar preciso para formar um todo harmonioso e revelador. As personagens colhidas em pleno desempenho dos seus papéis, papéis às vezes rudes, são transpostas da terra agreste de onde brotaram e inseridas neste espaço cultivado, onde o jardineiro quer conduzir o movimento do nosso olhar.

            O contista Aleilton Fonseca sabe juntar a profusão de sentimentos vivos do seu universo ficcional num espaço definido e preciso: o espaço da escrita, pondo as palavras a serviço do seu dizer. Nenhum gesto de personagem se perde dos olhos, nenhuma palavra se perde do ouvido, tudo conduz ao ponto indicado pela mão do escritor.

            Ao publicar um livro avaro, breve, espremido no tamanho, o autor teve a preocupação de se revelar contista, demonstrando o domínio da escrita. Por isso ele é lido com vivo interesse por qualquer leitor; e com prazerosa admiração pelo leitor mais exigente e atento. 
A definição mais adequada que encontro para a singular reunião de contos de Aleilton Fonseca é esta: um pequeno grande livro.

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Um inventor de vidas e lugares. Artigo crítico sobre o livro Jaú dos Bois de Aleilton Fonseca. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 jul. 98, p. 7.