Lira dos Oitent’ anos
Quando
chegou a Salvador, no início dos anos 40, Carlos Eduardo da Rocha já trazia na
bagagem um livro de poesia. Este rumor
que vai crescendo foi publicado em Belém do Pará pela editora da Revista
Novidade, marcando a partida de um rapaz do Acre pelos caminhos do país.
Depois
de correr “meio mundo”, desde as águas da Amazônia até o calor do Nordeste,
fixou-se na Bahia, para nunca mais sair. Com ele vieram também dois irmãos,
ambos igualmente famosos nos seus campos de atuação. Wilson e Mário Augusto.
Wilson
Rocha, poeta rigoroso, amante dos latinos, autor de odes de inspiração
neoclássica, tornou-se respeitado entre estudiosos e intelectuais. Pouco afeito
a acontecimentos ruidosos, embora desconhecido do público deixa sua marca na
poesia. A forma do silêncio, livro
publicado pela José Olympio, em 1986, reúne a poesia de Wilson Rocha, saudado
por nomes de relevo do Brasil e do exterior, como Jacinto do Prado Coelho,
Domingos Carvalho da Silva, Roger Bastide, Cláudio Veiga, Álvaro Lins, Eugênio
Gomes, António Ramos Rosa e outros. A capa deste livro é ilustrada por uma
raridade: o desenho feito em 1952, pelo poeta Jorge de Lima para ilustrar a
“Canção da menina afogada”, de Wilson Rocha. Convém lembrar ainda que o poeta é
incluído na antologia 20 anos de poesia
portuguesa, publicada pelo Círculo de Poesia e por Moraes Editores, em
1977. Aí aparece ao lado de Jorge de Sena, Vitorino Nemésio, Alexandre O’Neill,
E. M. de Melo E Castro, Miguel Torga e outros nomes. A inclusão deste
brasileiro deve-se ao fato do seu livro De
tempo soluto ter sido publicado em Lisboa.
Mário
Augusto da Rocha, o outro irmão de Carlos Eduardo, tronou-se mais conhecido
como jornalista, tendo trabalhado em A
Tarde, no Diário de Notícias, do
qual foi redator-chefe, e na Tv Itapoan, onde foi diretor e apresentador de
programas jornalísticos, por muitos anos. Tais atividades, durante algum tempo,
puseram a margem o gosto de Mário Augusto pela ficção. Tendo publicado pouco,
deixou muitos livros inéditos, ao falecer no ano passado.
Descendente
de uma família de jornalistas, artistas e criadores, Carlos Eduardo da Rocha
foi acolhido pelo mundo intelectual baiano, desde que aqui cegou. Odorico
Tavares, o poeta e então todo poderoso comandante dos Diários Associados na
Bahia, Luís Viana Filho, Jorge Amado e outros foram apenas algumas das amizades
que asseguraram a Carlos Eduardo um lugar de destaque na vida intelectual
baiana.
Professor
de história das arte, crítico e incentivador das artes plásticas, Carlos
Eduardo atuou em várias frentes: fundou uma importante galeria de arte que, por
muitos anos, foi centro constelar da arte moderna na Bahia, dirigiu o Museu de
Arte da Bahia, então instalado no Solar Goes Calmon, hoje sede da Academia de
Letras. A história do Museu está intimamente associada ao trabalho de Carlos
Eduardo que permaneceu à frente do mesmo durante muito tempo, tendo sido afastado
num momento crítico para a cultura baiana.
Conselheiro
de Cultura do Estado, durante mais de vinte anos, Professor Emérito da
Universidade, Membro do Instituto Geográfico e Histórico, imortal da Academia
de Letras da Bahia, personalidade agraciada com a Medalha Machado de Assis, da
Academia Brasileira, Carlos Eduardo recebeu todas as homenagens com as quais o
antigo rapaz que aqui desembarcou, na primeira metade do século, poderia
sonhar.
Não
obstante, ao chegar à venerável casa dos oitenta anos, continua atuando,
escrevendo, publicando, enfim, participando vivamente da vida intelectual da
cidade. Seu apartamento, decorado com centenas de quadros e outras obras de
arte, converteu-se num ponto de encontro de escritores e artistas plásticos. Aí
se realiza, informalmente, uma reunião semanal nos moldes do Sabadoyle,
reunindo nomes como Luis Henrique, Renato Berbert de Castro, Cláudio Veiga,
Edvaldo Boaventura e muitos outros.
É
para os amigos desta confraria que Carlos Eduardo da Rocha publica seus
trabalhos, a exemplo do recém-lançado Hinário
da Cidade Alta, conjunto de quinze poemas que descrevem o apelo lírico da
“Cidade que Tomé de Souza fundou / diante da enseada larga e límpida”. O
lançamento e os autógrafos são confiados aos seletíssimos leitores do poeta,
durante as reuniões semanais. Nada de apelo publicitário nem de eventos
ruidosos. É neste ambiente acolhedor e amistoso que ele continua marcando sua
presença na vida cultural da Bahia.
Sua
obra já chega a mais de vinte títulos que, por cento, serão todos reunidos
quando das comemorações dos seus oitenta anos. Esta será a homenagem maior que
a Bahia prestará a Carlos Eduardo da Rocha, sintetizando nela todo o apreço que
tem recebido ao longo dos anos.
Apreço
que pode ser medido pelas referências elogiosas aos seus livros. Para Luís
Viana Filho, “Carlos Eduardo da Rocha tão longamente embevecido pelo barroco do
século XVIII, apaixonar-se-ia pela beleza tão nova, tão pura e tão diversa de
Brasília, na qual encontrou inspiração para compor um poema tão moderno”. Ainda
sobre o livro Poema de Brasília, o
crítico João Carlos Teixeira Gomes diz que o autor “soube construir um poema de
essencialidades, onde as palavras desempenham função exata. A expressão,
contida, está de acordo com as melhores tendências da poesia atual do Brasil.”
Sobre
um poema de outro livro, Carlos Eduardo recebeu o seguinte recado de Carlos
Drummond de Andrade: “Quero dizer que a mensagem da sua poesia me tocou, vivi
com você o “Noturno de Salvador” e senti a acre serenidade do “Último poema”.
Obrigado por estes momentos bons do seu livro”.
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Lira dos oitent’ anos.
Artigo crítico sobre o livro Hinário da
cidade alta, de Carlos Eduardo da
Rocha. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A
Tarde, Salvador, 29 set. 97, p. 7.
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