Teoria e estética literária
Diante da forte
tendência, evidenciada por alguns países, a elaborar idéias e pensamentos
teóricos capazes de influenciar a criação artística em geral, e a literária em
particular, imagina-se que culturas como a brasileira ou a portuguesa não
cultivam a teoria estética.
Observa-se a
doutrina que orienta um movimento literário, ou um estilo de época, mas não se
tem uma visão conjunta da história das teorias em língua vernácula. Portugal,
mesmo com oito séculos de prática literária, ainda não tinha um mapeamento das
idéias que deram sustentação aos diversos momentos da sua história literária.
Os estudos dedicados a autores ou movimentos ficavam, quase sempre, restritos
aos especialistas da temática abrangida.
Neste quadro, o
livro de Massaud Moisés As Estéticas Literárias em Portugal (Séculos XIV a
XVII), publicado pela Editorial Caminho, de Lisboa, nasce como um clássico,
tanto pelo pioneirismo quanto pelas bem-fundadas discussões e diálogos críticos
travados com as idéias e os autores estudados.
Ao produzir uma obra sem
par no universo da literatura portuguesa, o estudioso brasileiro aponta os
autores responsáveis por estudos parcelares, sem os quais a sua ousada e longa
pesquisa “levaria ainda mais tempo para se realizar”.
Nas suas densas
e bem-aproveitadas trezentas páginas, a obra focaliza a Idade Média, o
Classicismo e (conforme a reveladora expressão do autor) o “espetáculo do
barroco”. O substantivo de caráter adjetival, “espetáculo”, presente no título
do terceiro e mais longo capítulo do livro, chama a atenção do leitor para a
importância atribuída ao suporte doutrinário do barroco.
A produção de
textos teóricos nesse momento é considerada elevada pelo autor, não apenas do
ponto de vista quantitativo; Massaud Moisés aponta o barroco e o realismo como
os períodos de mais notável produção doutrinária: “Exceção feita ao século XX,
parecem ser os momentos mais intensos de teorização literária em Portugal.”
Convém destacar
que, mesmo diante do incipiente pensamento teórico português na Idade Média, o
autor do livro consegue produzir um capítulo extremamente rico; especialmente
na discussão da poética trovadoresca galaico-portuguesa e das suas linhas de
convergência e autonomia com relação ao trovadorismo provençal.
Massaud Moisés
se debruça sobre a arte de trovar, concebida no século XIV e anexada ao
manuscrito Colocci-Brancuti, conhecido como Cancioneiro da Biblioteca Nacional,
extraindo desse material um texto capaz de se manter mesmo fora da obra para a
qual foi produzido. Um texto que assegura a sua leitura autônoma e
independente, pela riqueza da abordagem e pela força das reflexões. Os itens
dedicados ao trovadorismo constituem um estudo indispensável à abordagem da
produção poética que floresceu no século XIII e se cristalizou no século XIV.
A precária
consistência da poética fragmentária, como também é conhecida a arte de trovar,
não impediu o estudioso de adicionar ao seu trabalho sobre a mesma um valor que
redimensiona o objeto estudado. As articulações em torno dos pontos
maldesenvolvidos, cujas implicações “o compilador da arte de trovar deixa
escapar, aqui e ali”, projetam novas luzes sobre o texto trecentista.
O leitor que
conhece Massaud Moisés, apenas através dos seus manuais didáticos, terá a
oportunidade de encontrar neste livro o estudioso perspicaz de obras como Literatura:
Mundo e Forma, A Novela de Cavalaria no Quinhentismo Português e
Fernando Pessoa: o Espelho e a Esfinge.
Se os objetivos das
obras destinadas a um público mais numeroso apenas permitem entrever o aparato
conceitual do autor, em livros de caráter monográfico ou de natureza
especulativa temos oportunidade de observar a bem-articulada concepção do
universo teórico de Massaud Moisés.
Somente em 1982, quando
ele publicou Literatura: Mundo e Forma tive oportunidade de conhecer o pensador
da literatura. Até então, através dos manuais de sucessivas edições, conhecia o
divulgador e sistematizador do conhecimento. Foi esse livro que me fez reler as
obras de Massaud Moisés conhecidas nos tempos de estudante e observar como
algumas delas foram perdendo, nas edições mais recentes, o caráter meramente
didático para dar lugar a uma troca de indagações com o leitor.
Notadamente, em
A Criação Literária, obra em volume único que foi posteriormente
redimensionada em três livros autônomos e interligados, pode-se observar a
presença do pesquisador e do pensador da literatura substituindo, ou
completando, o sistematizador.
Daí a importância das obras especulativas na bibliografia do autor. Elas enriquecem e aprofundam as lições básicas dos seus bem-sucedidos manuais. O recém-lançado livro As Estéticas Literárias em Portugal apresenta ao leitor culto a oportunidade do debate sobre a história das teorias. Debate fundado em uma visão crítica amadurecida e sustentado na mais rigorosa pesquisa de fontes, porque conduzido por um espírito científico altamente refinado e exigente.
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Teoria e estética literária. Artigo crítico sobre o
livro As estéticas literárias em Portugal
(Séculos XIV a XVII), de Massaud Moisés. Coluna “Leitura Crítica” do jornal
A Tarde, Salvador, 2 nov. 98, p. 7.