Uma
verdadeira Antologia Poética
Na era da
automação e da obviedade os hábitos mentais são outros. O homem cultiva a objetividade
e o raciocínio exato com tal empenho que perde a capacidade de abstração. Vê a
parte de cada coisa com tal minúcia, especializando-se no detalhe, que
desaprende a olhar o todo, tornado inacessível.
As formas
de pensar, de sentir e de conhecer o mundo que abrangem a totalidade são pouco exercitadas
pelo bem sucedido homem da galáxia pós-gutemberg. A poesia é uma forma
totalizante de olhar. Enquanto a ciência moderna olha a parte menor, a poesia
mira aquilo que o olhar não abrange. Por isso inaugura uma nova paisagem,
jamais vista. Mas poucos olhos, gastos pela tela do monitor, sabem ver o que
ainda não foi visto.
Daí tão
pouca gente ler poesia, ler conto, ler romance. As pessoas querem ler um livro
de reportagens óbvias, sob a aparência de uma encadernação monumental. Enquanto
as editoras publicam menos poesia, conto, as listas dos mais vendidos
compreendem grandes reportagens fugidas do jornal. Nas trinta linhas de matéria
jornalística não cabe o cotidiano, o trivial, que migra para o livro.
Se o jornal
imita a televisão, o best-seller imita o jornal, fazendo o que este deixou de
fazer. As redes de fast-food chegaram
às livrarias com suas receitas ligeiras e fáceis de devorar, enquanto se faz
qualquer coisa.
Quando
imaginamos que a poesia não tem lugar na era da automação e da obviedade somos
surpreendidos pelo trabalho de Ruy Espinheira Filho que teima em afirmar e
mostrar, com a força da sua palavra, que a poesia está viva. Ruy é, sem dúvida,
o mais atuante dos nossos escritores. Está sempre na linha frente. Não é por
acaso que seu nome figura entre os escritores brasileiros mais inquietos.
E sua
palavra permanece porque a esta força de vontade, a este ímpeto quase juvenil,
quando se trata de literatura, corresponde uma qualidade que a poucos é dada: o
dom da palavra poética. Por isso, com seus livros ele deixa gravado o seu nome
na mente dos leitores mais rigorosos.
Foi Mário
da Silva Brito quem melhor definiu o modo deste poeta se impor e marcar seu
lugar na Literatura Brasileira. Quando da publicação de Julgado do vento, em 1979, ele sentenciou: “Ruy é poeta que escreve
no peito dos homens.” Sim. Este poeta conquista cada vez mais leitores. Que guardam
suas palavras, escritas na lousa mais duradoura.
Notem que
Ruy Espinheira Filho começou a publicar relativamente tarde. Nascido em 1942,
somente aos trinta e sete anos, com Julgado
do vento, mostra seu trabalho ao país. É verdade que as Edições Cordel,
mantidas em Feira de Santana pelo amor à poesia, publicaram o pequeno volume de
Heléboro, em 1974. Neste livrinho em formato de cordel estão reunidos os
poemas com os quais Ruy Espinheira Filho ganhou por anos consecutivos todos os
concursos literários promovidos pela Universidade Federal da Bahia — de saudosa
memória! — deixando nos estudantes da época a imagem do imbatível lutador de
palavras.
Embora esta
seja uma luta vã, com ela construiu sua manhã. Um trajeto literário seguro
inscreveu o nome de Ruy entre o melhor das nossas letras.
Além da
poesia, a crônica, o conto, a novela e o romance compõem a obra literária do
autor, que ultrapassa os quinze volumes com esta Antologia poética que reúne peças verdadeiramente antológicas.
Algumas para serem ditas de viva voz, como a “Marinha” dos anos de regime
militar:
Meus
olhos testemunham
a
invisibilidade das ondinas,
a
lenta morte dos arrecifes
e os
canhões de Amaralina.
Outras,
também ditas em alta voz, como a “Canção de depois de tanto”, melancólica e
reconfortante lição de vida, “brindando
sobre o já frio / cadáver da juventude.
Para dizer
de modo sintético o que é este novo livro de Ruy Espinheira Filho, duas frases
breves são suficientes: Um livro que merece o título que tem. Uma verdadeira
antologia poética.
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Duas
palavras devem ser ditas sobre a coleção de poesia publicada pela Fundação Casa
de Jorge Amado, com apoio da Copene. A conceituada empresa Petroquímica do
Nordeste presta uma importante contribuição à Bahia quando investe numa das
manifestações culturais mais duradouras e menos próximas do mercado de consumo
— a boa escrita.
Se o
patrocínio dado a um esfuziante show musical obtém impacto instantâneo, o apoio
aos segmentos mais refinados da cultura marca institucionalmente o prestígio da
empresa patrocinadora. A sensibilidade do Sr. Fernando Paes de Andrade,
presidente da Copene, merece pois ser registrada com louvor.
A série
Poesia, Prêmio Copene de Cultura e Arte, é uma realização que ficará na
história da cultura baiana e, hoje, vem servindo de exemplo ao Brasil. Além da
publicação dos livros, a Copene promove seus lançamentos nos jardins do Museu
Costa Pinto, reunindo os mais diversos segmentos da comunidade baiana numa
festa dedicada à inteligência.
Esta
oportunidade de levar os livros à Bahia, oferecida pela Copene, pode ser
comparada aquela com a qual Edgard Santos mudou o curso da nossa história
cultural, proporcionando gratuitamente concertos musicais e espetáculos de
teatro da melhor qualidade. O Sr. Fernando Paes Andrade, ao materializar o
empreendimento idealizado por Myriam Fraga e Claudius Portugal, torna-se credor
da Bahia. Ele está fazendo pela poesia, aquilo que Edgard Santos fez pela boa
música e pelo teatro.
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Uma
verdadeira antologia poética. Artigo crítico sobre o livro Antologia poética, de Ruy Espinheira Filho. Salvador, Fundação Casa
de Jorge Amado / Copene, 1996, 128 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 6 mai. 96, p. 7.
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