18/11/2015

Antologia

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Uma verdadeira Antologia Poética

            Na era da automação e da obviedade os hábitos mentais são outros. O homem cultiva a objetividade e o raciocínio exato com tal empenho que perde a capacidade de abstração. Vê a parte de cada coisa com tal minúcia, especializando-se no detalhe, que desaprende a olhar o todo, tornado inacessível.
            As formas de pensar, de sentir e de conhecer o mundo que abrangem a totalidade são pouco exercitadas pelo bem sucedido homem da galáxia pós-gutemberg. A poesia é uma forma totalizante de olhar. Enquanto a ciência moderna olha a parte menor, a poesia mira aquilo que o olhar não abrange. Por isso inaugura uma nova paisagem, jamais vista. Mas poucos olhos, gastos pela tela do monitor, sabem ver o que ainda não foi visto.
            Daí tão pouca gente ler poesia, ler conto, ler romance. As pessoas querem ler um livro de reportagens óbvias, sob a aparência de uma encadernação monumental. Enquanto as editoras publicam menos poesia, conto, as listas dos mais vendidos compreendem grandes reportagens fugidas do jornal. Nas trinta linhas de matéria jornalística não cabe o cotidiano, o trivial, que migra para o livro.
            Se o jornal imita a televisão, o best-seller imita o jornal, fazendo o que este deixou de fazer. As redes de fast-food chegaram às livrarias com suas receitas ligeiras e fáceis de devorar, enquanto se faz qualquer coisa.
            Quando imaginamos que a poesia não tem lugar na era da automação e da obviedade somos surpreendidos pelo trabalho de Ruy Espinheira Filho que teima em afirmar e mostrar, com a força da sua palavra, que a poesia está viva. Ruy é, sem dúvida, o mais atuante dos nossos escritores. Está sempre na linha frente. Não é por acaso que seu nome figura entre os escritores brasileiros mais inquietos.
            E sua palavra permanece porque a esta força de vontade, a este ímpeto quase juvenil, quando se trata de literatura, corresponde uma qualidade que a poucos é dada: o dom da palavra poética. Por isso, com seus livros ele deixa gravado o seu nome na mente dos leitores mais rigorosos.
            Foi Mário da Silva Brito quem melhor definiu o modo deste poeta se impor e marcar seu lugar na Literatura Brasileira. Quando da publicação de Julgado do vento, em 1979, ele sentenciou: “Ruy é poeta que escreve no peito dos homens.” Sim. Este poeta conquista cada vez mais leitores. Que guardam suas palavras, escritas na lousa mais duradoura.
            Notem que Ruy Espinheira Filho começou a publicar relativamente tarde. Nascido em 1942, somente aos trinta e sete anos, com Julgado do vento, mostra seu trabalho ao país. É verdade que as Edições Cordel, mantidas em Feira de Santana pelo amor à poesia, publicaram o pequeno volume de Heléboro, em 1974. Neste livrinho em formato de cordel estão reunidos os poemas com os quais Ruy Espinheira Filho ganhou por anos consecutivos todos os concursos literários promovidos pela Universidade Federal da Bahia — de saudosa memória! — deixando nos estudantes da época a imagem do imbatível lutador de palavras.
            Embora esta seja uma luta vã, com ela construiu sua manhã. Um trajeto literário seguro inscreveu o nome de Ruy entre o melhor das nossas letras.
            Além da poesia, a crônica, o conto, a novela e o romance compõem a obra literária do autor, que ultrapassa os quinze volumes com esta Antologia poética que reúne peças verdadeiramente antológicas. Algumas para serem ditas de viva voz, como a “Marinha” dos anos de regime militar:

Meus olhos testemunham
a invisibilidade das ondinas,
a lenta morte dos arrecifes
e os canhões de Amaralina.

            Outras, também ditas em alta voz, como a “Canção de depois de tanto”, melancólica e reconfortante lição de vida, “brindando sobre o já frio / cadáver da juventude.
            Para dizer de modo sintético o que é este novo livro de Ruy Espinheira Filho, duas frases breves são suficientes: Um livro que merece o título que tem. Uma verdadeira antologia poética.

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            Duas palavras devem ser ditas sobre a coleção de poesia publicada pela Fundação Casa de Jorge Amado, com apoio da Copene. A conceituada empresa Petroquímica do Nordeste presta uma importante contribuição à Bahia quando investe numa das manifestações culturais mais duradouras e menos próximas do mercado de consumo — a boa escrita.
            Se o patrocínio dado a um esfuziante show musical obtém impacto instantâneo, o apoio aos segmentos mais refinados da cultura marca institucionalmente o prestígio da empresa patrocinadora. A sensibilidade do Sr. Fernando Paes de Andrade, presidente da Copene, merece pois ser registrada com louvor.
            A série Poesia, Prêmio Copene de Cultura e Arte, é uma realização que ficará na história da cultura baiana e, hoje, vem servindo de exemplo ao Brasil. Além da publicação dos livros, a Copene promove seus lançamentos nos jardins do Museu Costa Pinto, reunindo os mais diversos segmentos da comunidade baiana numa festa dedicada à inteligência.
            Esta oportunidade de levar os livros à Bahia, oferecida pela Copene, pode ser comparada aquela com a qual Edgard Santos mudou o curso da nossa história cultural, proporcionando gratuitamente concertos musicais e espetáculos de teatro da melhor qualidade. O Sr. Fernando Paes Andrade, ao materializar o empreendimento idealizado por Myriam Fraga e Claudius Portugal, torna-se credor da Bahia. Ele está fazendo pela poesia, aquilo que Edgard Santos fez pela boa música e pelo teatro.

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Uma verdadeira antologia poética. Artigo crítico sobre o livro Antologia poética, de Ruy Espinheira Filho. Salvador, Fundação Casa de Jorge Amado / Copene, 1996, 128 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 6 mai. 96, p. 7.

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