A baronesa comunista
Françoise Giroud, a conhecida
jornalista francesa, escreve aos oitenta anos esta biografia de uma mulher
extraordinária, responsável por muito de bom que Karl Marx legou ao mundo com
sua obra diversificada e monumental. Jenny Marx foi a grande mulher da vida do
filósofo da práxis.
Desde a infância, Marx conviveu com
uma família de aristocratas que exerceria um papel decisivo na sua vida, os
Westphalen. O Sr. Ludwig von Westphalen com suas idéias liberais e mesmo
subversivas exerceria um grande fascínio sobre o menino Karl, amigo dos seus
filhos Edgard e Jenny.
Ao redigir
seu tese de doutorado em direito Marx a dedica ao senhor Westphalen, a quem
chama de “amigo paternal”. Anos depois, Karl descobriria que a mesma admiração
intelectual que tinha pelo Sr. Ludwig era estendida à sua bela filha Jenny, a
moça mais admirada da cidade não só pela rara inteligência quanto pela beleza.
Depois de
viver na cidade grande, Karl percebe o talento e o fascínio que esta moça da
sua pequena Trier exerce sobre ele. Apaixonam-se mutuamente e, apesar das
objeções da família de Jenny, casam-se.
O livro de
Françoise Giroud conta os amores do jovem Marx com Jenny e, embora se proponha
como uma espécie de biografia de Jenny é mais uma grande reportagem sobre a
família Marx, seus infortúnios e a constante proteção dada pelo generoso e
dedicado Engels.
Engels não
só manteve financeiramente o pouco prático doutor Karl Marx, quanto foi seu
dedicado companheiro de todas as horas. Quando Marx passou a sobreviver como
jornalista, escrevendo para um dos mais conceituados jornais dos Estados
Unidos, foi Engels o autor de mais de cem dos artigos assinados por Marx que,
nesta época, não escrevia em inglês.
Mas o forte
do livro é a figura luminosa de Jenny Marx, que abandona os salões de Trier
onde todos lhe faziam a corte para se tornar a companheira de um obscuro líder
revolucionário. Marx abdica da sua nacionalidade, ao entrar em choque com o
regime autoritário da Prússia, um dos muitos reinos em que a Alemanha estava
fragmentada. A partir de então vaga de um país a outro, constantemente banido e
sem conseguir uma nacionalidade.
De uma
inteligência incomum e dominando idéias e leituras inteiramente desconhecidas
pelas mulheres da época, Jenny encontra em Karl um interlocutor à altura. Ela
admira Marx acima de tudo, abrindo mão inclusive da sua bem sedimentada
formação religiosa. Os conhecidos diziam que a moça puritana teria substituído
a sua fé por um único deus: o ateu revolucionário que era seu marido.
Mas a vida
de Jenny e Marx não foi somente de privações. Sempre estavam recebendo heranças
que gastavam com a causa do proletariado ou consumiam em fugazes momentos de
conforto. Numa destas ocasiões, compram uma confortável casa em Londres, dão
bailes e festas, onde aparece um elegante cartão de visitas:
Sra.
Karl Marx,
nascida
Baronesa
Jenny
von Westphalen.
Karl fica
constrangido e imagina o que aconteceria se um destes cartões caíssem em mãos
dos seus inimigos. Na verdade, ele não dava importância ao conforto e gastava
suas heranças hospedando proscritos de todo o mundo, sem se preocupar com o
futuro da família. Curiosamente, depois de algum período de miséria sempre
aparecia uma nova herança como a dos últimos anos da sua vida. Quando Engels
recebe a herança do seu pai, paga as dívidas de Marx e realiza investimentos
que asseguram rendimentos permanentes ao amigo.
Há um
momento em que Marx está ocupado em investir na bolsa de Londres, para
administrar por si mesmo sua vida financeira, revelação que deixaria nossos
amigos do PC do B com os cabelos arrepiados...
Jenny Marx ou a mulher do diabo é um
livro escrito com certa dose de irreverência. A começar pelo fato de Françoise
Giroud não ser marxista. Ela trata o venerando autor de O Capital sem nenhuma consideração pelas suas barbas. Debocha mesmo
diante do pouco senso prático de Marx, que nunca conseguiu manter-se e à
família, recorrendo sempre aos amigos. Conta a áspera relação do Mouro (era o
apelido de Marx, por ser de tipo moreno, nada ariano) com a sua mãe, que
negava-se a manter o filho doutor desempregado. Durante anos envolvido com a
redação de O Capital, a sua mãe o
aconselhou a deixar de escrevê-lo e procurar ganhá-lo.
Este livro,
se tivesse aparecido há alguns anos atrás, causaria o maior problema nos meios
comunistas, por revelações que seriam consideradas desrespeitosas, como no
embaraçoso episódio da prisão e expulsão de Marx da Bélgica. Quando Jenny
procura a polícia para saber notícias do seu marido, ela é mal tratada pelo
oficial e recolhida a uma cela, ao lado de prostitutas e vadias.
Ao reclamar
indignado do episódio, Marx acusa seus adversários de tratarem com desrespeito
a uma dama da aristocracia da Prússia, a senhora Baronesa de Westphalen...
Então o líder proletário cultivava orgulhos aristocráticos? Ironiza a autora do
livro.
Como bom
humor não faz mal a ninguém, vale a pena ler esta história dos Marx ou esta
quase biografia de Jenny e, se for o caso, procurar verificar a autenticidade
de algumas revelações embaraçosas.
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Marx
e a baronesa comunista. Artigo crítico sobre o livro Jenny Marx, ou A mulher do diabo, de Françoise Giroud. Rio de
Janeiro, Record, 1996, 236 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 mai. 96, p. 7.
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