18/11/2015

Baronesa

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

A baronesa comunista

            Françoise Giroud, a conhecida jornalista francesa, escreve aos oitenta anos esta biografia de uma mulher extraordinária, responsável por muito de bom que Karl Marx legou ao mundo com sua obra diversificada e monumental. Jenny Marx foi a grande mulher da vida do filósofo da práxis.
            Desde a infância, Marx conviveu com uma família de aristocratas que exerceria um papel decisivo na sua vida, os Westphalen. O Sr. Ludwig von Westphalen com suas idéias liberais e mesmo subversivas exerceria um grande fascínio sobre o menino Karl, amigo dos seus filhos Edgard e Jenny.
            Ao redigir seu tese de doutorado em direito Marx a dedica ao senhor Westphalen, a quem chama de “amigo paternal”. Anos depois, Karl descobriria que a mesma admiração intelectual que tinha pelo Sr. Ludwig era estendida à sua bela filha Jenny, a moça mais admirada da cidade não só pela rara inteligência quanto pela beleza.
            Depois de viver na cidade grande, Karl percebe o talento e o fascínio que esta moça da sua pequena Trier exerce sobre ele. Apaixonam-se mutuamente e, apesar das objeções da família de Jenny, casam-se.
            O livro de Françoise Giroud conta os amores do jovem Marx com Jenny e, embora se proponha como uma espécie de biografia de Jenny é mais uma grande reportagem sobre a família Marx, seus infortúnios e a constante proteção dada pelo generoso e dedicado Engels.
            Engels não só manteve financeiramente o pouco prático doutor Karl Marx, quanto foi seu dedicado companheiro de todas as horas. Quando Marx passou a sobreviver como jornalista, escrevendo para um dos mais conceituados jornais dos Estados Unidos, foi Engels o autor de mais de cem dos artigos assinados por Marx que, nesta época, não escrevia em inglês.
            Mas o forte do livro é a figura luminosa de Jenny Marx, que abandona os salões de Trier onde todos lhe faziam a corte para se tornar a companheira de um obscuro líder revolucionário. Marx abdica da sua nacionalidade, ao entrar em choque com o regime autoritário da Prússia, um dos muitos reinos em que a Alemanha estava fragmentada. A partir de então vaga de um país a outro, constantemente banido e sem conseguir uma nacionalidade.
            De uma inteligência incomum e dominando idéias e leituras inteiramente desconhecidas pelas mulheres da época, Jenny encontra em Karl um interlocutor à altura. Ela admira Marx acima de tudo, abrindo mão inclusive da sua bem sedimentada formação religiosa. Os conhecidos diziam que a moça puritana teria substituído a sua fé por um único deus: o ateu revolucionário que era seu marido.
            Mas a vida de Jenny e Marx não foi somente de privações. Sempre estavam recebendo heranças que gastavam com a causa do proletariado ou consumiam em fugazes momentos de conforto. Numa destas ocasiões, compram uma confortável casa em Londres, dão bailes e festas, onde aparece um elegante cartão de visitas:


Sra. Karl Marx,
nascida Baronesa
Jenny von Westphalen.


            Karl fica constrangido e imagina o que aconteceria se um destes cartões caíssem em mãos dos seus inimigos. Na verdade, ele não dava importância ao conforto e gastava suas heranças hospedando proscritos de todo o mundo, sem se preocupar com o futuro da família. Curiosamente, depois de algum período de miséria sempre aparecia uma nova herança como a dos últimos anos da sua vida. Quando Engels recebe a herança do seu pai, paga as dívidas de Marx e realiza investimentos que asseguram rendimentos permanentes ao amigo.
            Há um momento em que Marx está ocupado em investir na bolsa de Londres, para administrar por si mesmo sua vida financeira, revelação que deixaria nossos amigos do PC do B com os cabelos arrepiados...
            Jenny Marx ou a mulher do diabo é um livro escrito com certa dose de irreverência. A começar pelo fato de Françoise Giroud não ser marxista. Ela trata o venerando autor de O Capital sem nenhuma consideração pelas suas barbas. Debocha mesmo diante do pouco senso prático de Marx, que nunca conseguiu manter-se e à família, recorrendo sempre aos amigos. Conta a áspera relação do Mouro (era o apelido de Marx, por ser de tipo moreno, nada ariano) com a sua mãe, que negava-se a manter o filho doutor desempregado. Durante anos envolvido com a redação de O Capital, a sua mãe o aconselhou a deixar de escrevê-lo e procurar ganhá-lo.
            Este livro, se tivesse aparecido há alguns anos atrás, causaria o maior problema nos meios comunistas, por revelações que seriam consideradas desrespeitosas, como no embaraçoso episódio da prisão e expulsão de Marx da Bélgica. Quando Jenny procura a polícia para saber notícias do seu marido, ela é mal tratada pelo oficial e recolhida a uma cela, ao lado de prostitutas e vadias.
            Ao reclamar indignado do episódio, Marx acusa seus adversários de tratarem com desrespeito a uma dama da aristocracia da Prússia, a senhora Baronesa de Westphalen... Então o líder proletário cultivava orgulhos aristocráticos? Ironiza a autora do livro.
            Como bom humor não faz mal a ninguém, vale a pena ler esta história dos Marx ou esta quase biografia de Jenny e, se for o caso, procurar verificar a autenticidade de algumas revelações embaraçosas.

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Marx e a baronesa comunista. Artigo crítico sobre o livro Jenny Marx, ou A mulher do diabo, de Françoise Giroud. Rio de Janeiro, Record, 1996, 236 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 mai. 96, p. 7.

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